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WHO RUN THE WORLD? O sistema patriarcal capitalista, migas

Dia da Mulher, muitos textos e uma reflexão


Oi, <<Primeiro Nome>>! Como vai? Que semana corrida eu tive por aqui. Mas entre mortos e feridos e uma pelezinha faltando no meu dedão do pé, sobrevivi ao Carnaval satisfatoriamente bem para enfrentar o Dia da Mulher. Sim, enfrentar. Que data difícil. Que canseira que dá ter que repetir as mesmas coisas que já foram faladas o ano inteiro e se preparar para ouvir as mesmas besteiras machistas que preenchem nosso calendário de janeiro a dezembro. 

Mas vou te dizer que vi uma melhora nos discursos do pessoal este ano, viu? Tive a impressão que mais gente está entendendo que não há nada para “celebrar” no dia 8 de março, e sim que é uma data de luta e resistência. Você também teve essa impressão ou é viagem minha?

Bem, eu não queria mesmo escrever de novo sobre o Dia da Mulher, mas acabei fazendo. Dei uma entrevista para o Portal IG, acabei publicando ela na íntegra no meu blog (o link está lá também), resgatei meu texto do Dia da Mulher de 2012, e ainda contei para a Confeitaria o que eu queria que realmente fosse a pauta do 8 de março. Tudo isso você confere logo após o break:

 

O dia (a dia) da mulher

"Feliz Dia da Mulher a você, que não tem autonomia sobre seu corpo. A você que sabe que se for estuprada foi porque provocou, a você que se for assassinada pelo parceiro foi porque mereceu. Parabéns a você, que não vai tentar um aborto simplesmente porque não queremos que você faça isso, e não porque a decisão de continuar uma gestação no seu útero seja uma escolha sua. Porque não é."

8 de março, e lá vamos nós 

"Acho engraçado como as pessoas parecem mais preocupadas em não serem 'condenadas' com a homenagem errada do que darem atenção às questões que REALMENTE importam no Dia da Mulher. Como se fossem as feministas que tivessem criado um problema ao dizer que não queremos a rosa, mas sim acabar com um sistema que nos oprime, nos diminui, nos nega humanidade e nos mata."

Nossa pauta para hoje, na Confeitaria


"Que falemos então sobre a humanidade que nos é negada quando impõem às nossas vidas condições para existir. Que falemos sobre o que acontece com aquelas que pisam um pouco fora da linha. Que falemos sobre a necessidade de apagar de vez essa linha. E temos que falar porque nossas vidas dependem disso."

Papagaísmo

"O Papagaísmo, no entanto, se sustenta na própria essência do ser humano. Somos máquinas repetidoras, afinal. Aprendemos por repetição. As histórias que contamos são repetições de histórias já contadas de outras formas. Vivemos em ciclos marcados pela repetição de uma rotina. Repetimos os dias uns após os outros, os meses, as estações, as datas comemorativas, os anos. É na repetição que encontramos a fuga que torna suportável viver em um universo sem ordem."

Não leia este texto se não tiver assistido ao Robocop do Padilha


"Em nenhum momento o Robocop do Padilha tenta superar o original, como tem sido o centro das discussões e de todas as análises sobre o filme. Pelo contrário, até. Este reboot respeita MUITO o Robocop de 1987. Não por tentar ser fiel à história, já que é bem diferente; mas por reconhecer a importância e o valor daquela história em cada um de seus detalhes. Respeitar por fazer um filme que honra, em qualidade, o que o primeiro Robocop representou e representa para a cultura cinematográfica."

Pondo a mão na consciência


Escrever esse texto sobre Papagaísmo foi, acima de tudo, uma autocrítica. Tive essa ideia quando entrei um dia no meu feedly e fiquei anestesiada navegando em dezenas de blogs, todos falando sobre as mesmas coisas, mostrando as mesmas “novidades”. Depois disso, dei uma voltinha nos grupos de que faço parte no Facebook e vi pessoas discutindo as mesmas questões de sempre, compartilhando links já vistos em outros cantos e outras épocas, trazendo temas que pareciam discutir pela primeira vez, enquanto eu achava que aquilo já estava superado. Depois li algumas postagens usando as mesmas palavras que eu já li em uma centena de textos diferentes, com os mesmos argumentos já usados tantas outras vezes. Aquilo me fez pensar seriamente num negócio: quantos textos meus eram, como esses casos, só uma repetição? Um monte, foi o que eu percebi.

Quando escrevo textos que criticam um tipo de comportamento, temo que enxerguem que faço isso como se eu estivesse acima do que critico, quando, na verdade, falo de baixo, da posição de quem erra e está constantemente aprendendo – e, o mais importante, se questionando.

Então quando falei de papagaiar não estava me referindo só a quem compartilha textos com os quais concorda, mas também a mim mesma.

Tenho me incomodado muito com esse dejá-vu toda vez que entro na internet; talvez tudo que eu precise é entrar menos na internet. Mas também me incomoda a sensação de reforçar esses ciclos de repetição. Escrever usando as mesmas palavras que outros já usaram buscando uma espécie de validação, sabe? De me adequar a um discurso já aceito pelo grupo de pessoas com o qual me identifico.

Claro que isso foi um processo inconsciente, mas agora que me dei conta, não consigo tirar da cabeça. E também me incomoda porque não sei elaborar muito bem, ainda estou em processo de reflexão. Ou talvez eu ainda não saiba elaborar porque não sei que argumentos repetir, já que ainda não li esse tipo de crítica ou questionamento em outros lugares? Socorro!

Enfim, mas o incômodo também se estende à percepção de que essa forma de escrever, repetindo o que sei que pelo menos um grupo de pessoas vai aceitar, é uma forma de zona de conforto. Não que eu escreva já pensando em algo “compartilhável”. Até hoje isso é meio imprevisível pra mim – são justamente os textos que eu não espero (muitas vezes os que eu nem acho lá essas coisas) é que são os mais compartilhados. Mas, de uma forma ou de outra, tenho em mente os discursos dos outros na hora de escrever meus textos e é aí que eu me questiono: que tipo de coisa estou deixando de escrever, que tipo de opinião estou deixando de desenvolver, por não repercurtir esses discursos?

Acho que eu preciso de uma experiência diferente na escrita, algo que dependa menos de ser validado por compartilhamentos. Talvez algo mais analógico? Bem, ainda não sei. Pelo menos a newsletter está me ajudando a ter uma perspectiva diferente do meu trabalho. E compartilhar com você essa minha reflexão pessoal – e ainda em progresso – faz parte disso. Então, muito obrigada :)

 

Indicações do ♥︎


Fiquei sabendo disso hoje: o site Think Olga teve a maravilhosa iniciativa de fazer um mutirão para melhorar e turbinar o conteúdo de mulheres importantes na Wikipedia, aproveitando o caráter colaborativo dessa plataforma para suprir a lacuna deixada quando o assunto são as realizações femininas.

Vai rolar em São Paulo e acho que vai ser uma boa oportunidade de conhecer pessoas inteligentes, engajadas  - e claro, fazer parte de um projeto de conteúdo fantástico.

Fica o convite! Para saber mais sobre a maratona conteudística Edit-a-thon das minas, vai lá no site Think Olga.




A segunda indicação é para você ler os textos da Fal. Fazia tempo que eu não lia os drops que ela escreve, e são uma delícia. Ela também já escreveu um livro com essa pegada do blog dela, chamado "Sonhei que a neve fervia", sobre o qual já fiz uma singela resenha aqui. Enfim, não tem muito mais o que falar, a não ser que recomendo. Lê só um trechinho desse texto (e se possível, leia completo) para ter ideia de porque admiro a escrita dessa mulher.
 
"Então, comprei um celular novo, porque o velho (um ano de vida e dos caros) deu pau. E daí, descubro que não basta um celular novo. Um celular novo, sozinho, não é nada. Um celular novo é, infantilizados que somos todos nós, uma Barbie. Sim, uma Barbie. Uma Barbie Fada. A Barbie Fada que minha amiga comuna se recusou a desenhar para a meninazinha. Veja, como as Barbies, celulares precisam de enxoval. De casinhas. De acessórios com nomes patéticos.

Outra coisa que transforma meu novo celular na minha Barbie-Fada: não quero ficar com ele só em casa, quero ir pra rua, exibi-lo pros coleguinhas. Reuniões de adultos, atualmente, são como aquelas “tardes de brinquedo” para as quais sua exausta mãe levava você: junta todo mundo na mesma sala, mas a conversa é pouca, porque cada um brinca com sua boneca, ainda que de olho na boneca da amiga."
Fora de Lugar é uma história seriada exclusiva para os assinantes do Bobagens Imperdíveis. Sinta-se à vontade para mandar críticas e sugestões - ou ideias! - para a continuidade da história. 

No episódio anterior (clique aqui para ler): Nice sai de três anos de regime fechado, mas na volta para casa descobre que sua mulher Berta está fazendo negócios com um notável trambiqueiro e encontra uma criança desconhecida que está morando em sua casa. Parece que sua esperada liberdade não seria tão agradável quanto ela imaginava.


***

Encrenca. 

O frio na barriga e a sensação de estar encrencada ao olhar para aquela criança tomou Nice de um jeito que não aconteceu nem quando ela resolveu encher a mala com aqueles comprimidos que a levariam para a cadeia. Ela tinha mudado mesmo nesses três anos.

As coisas ali também tinham mudado. Estavam comendo à mesa, na mesa pequena e redonda que ficava na cozinha. Antes era costume comer na sala, apoiando o prato no braço do sofá que nem existia mais. Berta comprou outro para substituir aquele esburacado e todo manchado que fez parte da vida das duas desde os primeiros anos juntas.

Nice tinha ficado mais calma depois de tomar banho e aceitar que gritar com Berta e ficar lhe exigindo explicações não ia adiantar muito.

No final das contas, enquanto preparava o jantar, Berta explicou que os negócios que estava fazendo com Calixto não iam metê-la em nenhuma roubada. Ela estava trabalhando com compra e venda de veículos usados agora. O que, de acordo com Berta, seria uma boa para Nice se reestabelecer financeiramente. Nice teve que concordar que talvez fosse difícil encontrar emprego agora, mas ainda assim esse negócio não a convenceu. Nada que viesse desse cara poderia ser boa coisa. Deu um voto de confiança para Berta, mas não disse nada que endossasse sua nova atividade.

Na mesa, mais trocavam olhares do que palavras. Nice olhava para como <<Primeiro Nome>> separava meticulosamente os pedaços de azeitona no prato. Ela nunca foi boa com crianças, então não sabia bem como agir. Aquela nova presença a incomodava ligeiramente.

– Bertaaaaa, você não devia colocar tanto ketchup na comida, já te disse – foi <<Primeiro Nome>> que a repreendeu, quando ela estava com o tubo na mão, caprichando na cobertura de ketchup do seu macarrão.

Ao ver Berta acolher a recomendação – ordem! – de alguém que não tinha idade nem para assistir a novela das nove, Nice olhou para ela surpresa.

– Quê? – disse Berta – <<Primeiro Nome>> tem razão, ketchup faz mal pro meu estômago.

– Ela teve crises de gastirtes – explicou <<Primeiro Nome>>.

– Gastrite – Berta corrigiu.

– Isso.

– Então faz muito tempo que você conhece a Berta, imagino? – a esperança de Nice é que respondesse que ela era, de alguma forma, da sua família. Teve medo que a resposta envolvesse a palavra "sequestro".

– Aham – <<Primeiro Nome>> balançou a cabeça. – Faz um mês.

– Ah.

Para uma criança de 10 anos, um mês bem poderia ser muito tempo. 

– Mas seus pais conhecem a Berta, certo?

– Hm, não tenho certeza. Acho que não.

Um desespero começou a tomar conta de Nice novamente.

– Seus pais sabem que você está aqui? – por favor, responda que sim, Nice pensou.

– Pra falar a verdade, dona Nice, eu é que não sei onde meus pais estão agora.

– É uma longa história – Berta se adiantou. – Só quero que não passe pela sua cabeça que sou ladra de crianças ou coisa do tipo. Eu estou só tentando ajudar.

– Sabe o que ajudaria? Ir até a polícia avisar que estamos com uma criança desaparecida!

– Ei, desaparecidos estão meus pais! Eu estou bem aqui!

– Na casa de duas desconhecidas! E uma que acabou de sair da cadeia! Duvido que seus pais iriam gostar de saber disso.

– Desconhecidas nada, a Berta eu conheço.

– Argh, desisto – Nice não podia acreditar que tinha voltado pra casa para discutir com uma criança. Deixou seu prato em cima da pia e foi para a sala. <<Primeiro Nome>> foi atrás segurando um copo de suco maior do que conseguia segurar com uma mão só.

– Bem, se você desiste, então posso contar minha história?

Sentada no sofá, com a cabeça latejando de nervosismo, Nice respirou fundo olhando para a TV. Que escolha ela tinha? A novela ainda ia demorar a começar.
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Olar

Estou me segurando para não te contar uma novidade que estou guardando para a semana que vem. É que não tenho certeza de quando exatamente vou conseguir lançar, aí ia ficar aquele climão, aquela situação chata, se algo não for como o anunciado, né? Então prefiro falar depois que estiver tudo certo - o bom é que já teremos assunto para a próxima newsletter! ;) Até a próxima.

Beijos,


Aline.
Copyright © 2014 Aline Valek :: Escritora, Todos os direitos reservados.


 
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