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Impossibilidades libertadoras
“Tenho que ler um livro até o final, no matter what”, eu me dizia, sem perceber o quanto isso me aprisionava.
Até perceber que o tempo que mais ou menos compreende a duração de uma existência humana não é o suficiente para ler os livros mais importantes do mundo. Eu não vou ter tempo, nem que eu dedique uma vida inteira a ler.
Então por que perder tempo com um livro que não estou gostando? Tudo bem abandonar um livro ruim. Tudo bem dizer “não, nunca li” para um livro considerado indispensável.
Porque o tempo que tenho, curto e limitado, me leva a escolher com cuidado – e com o coração – a leitura que acredito que vá fazer esse tempo valer a pena.
E se eu não tenho tempo nem para os livros mais importantes do mundo, não é para os textos ruins que eu vou ter tempo, né? Não vou desperdiçar um tempo de vida curto e limitado lendo algo que só vai me fazer passar raiva.
Não dá para acompanhar todas as polêmicas do mundo. E essa impossibilidade me liberta da obrigação de ser a pessoa que vai fiscalizar as merdas que acontecem só para ter algo a opinar.
Por não ser possível absorver tanta informação, é que sintonizo com cuidado nos canais em que vou encontrar conteúdos que realmente tenham algo a acrescentar.
Em vez de ser a parabólica que recebe todo tipo de sinal e ruído, prefiro ser quem tem o controle remoto nas mãos e procura, ativamente, por algo mais construtivo, quem sabe um sinal de vida inteligente. Prefiro ser alguém que possui o controle remoto e que tem, inclusive, o poder de apertar “desliga” de vez em quando.
Não dá para agradar todo mundo. Por isso, é perder tempo tentar me adequar às expectativas desse “todo mundo”, que podem ser contraditórias, imprecisas e, muitas vezes, simplesmente bocós. Porque, mesmo que eu me esforce para agradar, por uma impossibilidade do ser humano de ficar satisfeito com algo, sei que nunca será o suficiente.
Não dá para esperar que todas as pessoas me amem, do jeito que eu espero que me amem. Então é ver que tudo bem se ela prefere ir embora, dar unfollow, desfazer um laço ou o que quer que seja. A vida é curta demais para ficar fazendo malabarismos que provem para aquela pessoa que ela precisa gostar de mim, porque poxa, sou tão legal!
Não quer ficar? Tudo bem. Não quer ser minha amiga? Tudo bem. Me acha insuportável? Tudo bem. Pode achar o que quiser, não vou ser eu que vai ficar convencendo uma pessoa de que ela precisa gostar de mim. Porque não precisa.
Isso me liberta da obrigação de ficar me provando para os outros. Porque 7 bilhões de pessoas no mundo e realmente não dá para ser do agrado de todas. Alguém vai se incomodar com o que sou, com o que falo, e com o que faço. Não há tempo para impedir o que é inevitável, natural, estatisticamente esperado.
Não dá para falar com quem não quer ouvir. Por isso, é inútil investir um tempo tão ralo para insistir sobre algo com uma pessoa que obviamente não está interessada. Não dá para obrigar interesse em ninguém.
Mas não poder falar para todo mundo é justamente o espaço que eu tenho para dialogar com quem se interessa pelo que tenho a dizer. Quero falar com quem quer ouvir, enquanto quer ouvir. Porque também não dá para esperar que todo interesse seja para sempre.
Não dá para estar certa o tempo inteiro. Por isso, me permito errar. E o erro me liberta da prisão que é ser uma pessoa perfeita, porque essa perfeição se equilibra em uma linha instável, e é só uma questão de tempo para desmoronar.
Então abraço minhas impossibilidades como oportunidades de aproveitar melhor o tempo que vou ter nessa existência.
E não ter tempo, ao invés de uma perspectiva terrível, uma evidência das minhas limitações, é, ao contrário, a percepção mágica de que eu posso escolher o que fazer com esse tempo. Ou com quem preencher esse tempo.
Pelo menos isso, num mar de impossibilidades, eu posso.
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Impressões gerais sobre a Flip
<<Primeiro Nome>>, semana passada rolou a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip.
Ou a Flipobre, para quem, assim como eu, ficou zanzando de um lado para o outro sem comprar nada (mentira, acabei comprando cachaça e um licor de milho verde, porque é de milho e você sabe que não resisto ao puro sabor do milho) ou assistindo apenas à parte da programação gratuita (que aliás estava muito mais incrível).
A primeira pessoa com quem esbarrei por lá foi o Alex Castro, que foi meu guia pelas ruas históricas de Paraty e que me ensinou da melhor forma como me localizar por lá: “aqui você não precisa saber o nome das ruas, a ideia é você ir andando a esmo até esbarrar sem querer no lugar que você procura”.
Ele rabiscou uma dedicatória linda no meu exemplar de Outrofobia, o novo livro dele, bom de distribuir para aqueles seus parentes, amigos e colegas preconceituosos. “Não se muda o mundo respeitando a opinião de quem te oprime”, ele diz, no marcador de páginas.
Na Casa Rocco, fui ver Karina Buhr recitando seus poemas publicados em seu primeiro livro, “Desperdiçando Rima”, que já veio lacrando ao se tornar o terceiro livro mais vendido da Flip.
Reclamação: sarau foi curto. Podia ter ficado a noite inteira lendo poema, o livro inteiro, com aquele sotaque carregado de caju e coração 5% algodão. Eu não ia achar ruim.
A poesia, aliás, estava por toda parte. Flipoesia.
Foi quando fiquei um bom tempo sentada na Praça da Matriz, descansando meus joelhos do esforço de andar naquelas ruas de pedras irregulares, é que fui abordada pelo primeiro poeta. Ele estava vendendo seu livro, mas quis primeiro mostrar sua poesia.
(ou talvez vender um livro fosse só um pretexto para mostrar sua poesia)
Então ele começou a recitar, de cabeça, um poema sobre a morte da mãe. E havia tanta verdade e sentimento na sua voz, no jeito de contar aquela história, que fiquei impressionada. Percebi que ele tinha um microfone tatuado no antebraço. O nome dele era Mano Ril, poeta e MC de São Paulo.
Ali percebi de uma forma diferente o que dizem sobre escritor precisar ser cara de pau. Porque não tem a ver com coragem de se apresentar e ir falar do seu trabalho com pessoas desconhecidas. Mas ter a coragem de expor sua verdade, de mostrar sua arte de uma forma verdadeira, com honestidade de sentimentos.
Essa história também me mostrou que ali não era só o palco para autores consagrados e super badalados, mas sim o palco onde quem está fora do circuito mainstream pode buscar seu espaço. Eu, uma dessas pessoas.
Ocupar o espaço literário. Foi sobre isso que falei na Casa Rocco junto com as maravilindas editoras Larissa Helena e Lúcia dos Reis, da editora que abriu as portas para o meu livro. A casa estava lotada, de gente e de interesse.
Havia muitas mulheres mais jovens, e ali eu vi a responsabilidade de inspirar uma nova geração a continuar valorizando as histórias contadas por mulheres. Também muitas mulheres mais velhas do que eu, com os olhos aguçados, vivos, de quem já protagoniza essa luta há muitos anos. “Parabéns pela coragem de levantar a voz que vai levar essa história adiante”. E o discurso daquela senhora foi tão comovente que não precisava de mais nada.
Ainda encontrei com leitoras de Bobagens ♡ e conheci a Clara, uma das editoras do maravilhoso site Capitolina. A mãe dela, Paula Browne, é ilustradora e autora do livro infantil Os Monstros Mais Medrosos do Mundo, e é claro que já fiquei apaixonada.
Que mulheres.
A Flip, aliás, foi delas. Foi nossa. Ocupamos nosso espaço na literatura e no mundo, ainda que alguns ainda torçam o nariz. Ou que não entendam como pode, ó céus, uma mesa de debate ter só mulheres.
Mas não é porque alguns não se atualizam que a gente vai parar de falar. Ou de escrever. Ou de desconstruir os conceitos dessa sociedade cagada.
Então voltei pra SP exausta, com os joelhos reclamando e meio mal humorada por reencontrar o frio congelante do território paulista. Mas parte do cansaço era de alegria, de realização, de me sentir preenchida e fortalecida pelo trabalho de tantas pessoas no sentido de transformar a literatura em um espaço mais diverso.
Flipamos.
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Não vou nem me alongar muito sobre mulheres na literatura e na Flip porque escrevi um texto especial na Confeitaria sobre isso: No Caminho das Pedras.
Conto algumas coisas que foram debatidas na mesa da Casa Rocco, sobre os destaques do debate protagonizado pelo #KdMulheres, entre outras percepções sobre o espaço da mulher na literatura. Depois dá uma lidinha.
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Temos ibagens do que foi a mesa de debates que participei lá na Casa Rocco! Fotos do MF, meu companheiro nessa jornada. Espia:
Perguntas?
Lotou sim
As caras de doida que eu faço quando falo, socorro
Conversa com a Carol, uma das leitores que conheci lá
Clara Browne, da Capitolina
Fui dar um alô pro oceano também
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Motivos para eu ser grata
Preciso aproveitar esse espaço para fazer um agradecimento público às 76 pessoas leitoras que acreditam tanto no meu trabalho a ponto de me financiar para que eu continue escrevendo.
Ao me mandar essa contribuição, esse pedaço de amor e de reconhecimento todo mês, vocês:
- Permitem que eu continue escrevendo esta newsletter semanal. Já são setenta e quatro edições, mais de um ano de trabalho e sem esse apoio eu não teria ido tão longe.
- Permitem que eu tenha tempo, disposição e motivação para continuar a escrever para o meu blog e manter todo o conteúdo ali aberto, gratuito e acessível.
- Permitem, antes de tudo, que eu tenha um blog. Este ano, lancei um update dele, o que custou muito dinheiro, tempo e trabalho. E quem me ajudou a pagar por isso não foram nem patrocinadores nem anunciantes, mas as próprias pessoas leitoras que curtem o que publico ali. Não é demais?
- Viabilizam o meu trabalho de escritora. Porque as contas continuam chegando todo mês e eu preciso fazer malabarismos para me sustentar enquanto continuo a escrever. As contribuições dos assinantes pagos são, atualmente, minha única fonte de renda fixa mensal. Não é como se eu estivesse nadando em dinheiro, sabe. Eventualmente, pego um trabalho aqui e outro ali que me ajudam a fechar as contas. Mas são isso: eventuais. Eles podem simplesmente não rolar. Acontece. Então as contribuições dos leitores permitem que meu trabalho continue existindo.
- Permitem que eu tenha o tempo e a tranquilidade necessária para criar ficção. Como para escrever o meu e-book de contos Pequenas Tiranias, que estou terminando de escrever e devo lançar em breve. Como os tantos projetos que estou fazendo e ainda quero fazer.
- Mostram que o trabalho de escrever não precisa ser solitário. É um gesto que me diz que não estou sozinha e que meu trabalho tem valor.
Então muito, muito obrigada por estarem comigo. Pela confiança. Pela generosidade. Suas contribuições são muito importantes pra mim, especialmente agora que estou me dedicando ainda mais a construir um trabalho consistente como escritora.
Se você gosta do que escrevo e se você acha justo, pelos motivos acima, que eu seja paga pelo meu trabalho, saiba aqui como fazer uma assinatura mensal ou uma doação de qualquer valor.
Por todo amor enviado, obrigada ♡
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Nas edições passadas

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Antes de me despedir, queria te fazer um convite.
O livro da Jarid Arraes, As Lendas de Dandara, já tem data de lançamento! Será no dia 23 de julho, na Casa de Lua em São Paulo. Mais detalhes sobre o evento aqui.
Como eu fui a ilustradora do livro, também vou estar por lá junto com a autora e a gente vai ficar muito muito feliz se você puder ir também.
A gente se vê lá?
Beijos literários,
Aline.
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