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Meu diário de bordo.
Bobagens Imperdíveis

Bobagens Imperdíveis Ano 3 Edição 126
vida / escrita / livros

gif de uma mulher de frente para o espelho, girando sem parar um globo terrestre.

 
Talvez pelos tempos em que vivemos, onde tudo acontece com muita rapidez e logo já muda de novo, queremos viajar na mesma velocidade e chegar ao nosso objetivo no tempo de dar um passo ou dois. Olhamos tanto para o destino final que perdemos de vista os pequenos passos que foram necessários para chegar até lá.

Parece que só vale a pena nos mexermos e começarmos algo se for valer a pena. É preciso fazer a escolha certa, acertar de primeira, ser alguém relevante depressa.

Há uma certa ansiedade em chegar ao resultado logo.

Muita gente me procura querendo saber como faz para ser publicada, como eu fiz para escrever nesse ou naquele lugar, como foi para “virar” escritora. Qual o segredo? O pulo do gato? Tem alguma dica, atalho?

Mas não conheço atalhos. Conheço os buracos no caminho onde sempre prendo o pé, as fissuras que me fazem cair e ralar os joelhos. Estou constantemente perdida, tendo que pegar um desvio mais longo, no meio do mato, em caminhos de pouca visibilidade. Não que eu ache que eu tenha chegado a algum lugar ainda, para início de conversa.

É meio decepcionante, mas o conselho que dou é sempre o mesmo: senta e escreve. Todos os dias. Sem parar.

Nada na escrita surge pronto. Leva tempo. 

Voltei a trabalhar no livro de Bobagens Imperdíveis: tenho selecionado e editado os textos que vão ser publicados nessa belezinha impressa. Isso significa: cortar, cortar, cortar; barrar a entrada de muitos textos, enxugar e reescrever os textos que conseguirem passar pela peneira.

Olha, não é tarefa fácil. Muita coisa que gosto e que sei que leitores gostam teve que ficar de fora, porque tem muito, muito texto. Um canavial de textos. Texto para chuchu. Está sendo um trabalhão transformar esse material num livro.

Também pudera; não foi algo escrito de uma só vez, mas ao decorrer de três anos (quase quatro!) de newsletter. E acha que esse tempo foi o suficiente para criar algo pronto? Esses três anos serviram para criar o material bruto; agora, com esse processo de edição e reescrita, vejo que é só o início.

Só com escrita constante, teimosa e consistente consegui reunir uma boa quantidade de bons textos – e, no meio de toda essa produção, claro que vai ter muita coisa ruim. Uns textos que, meu deus do céu, dão até gastura.

Para chegar nas ideias boas, é preciso antes passar pelas ruins. Não há atalho.

Essa semana consegui definir (quase) todos os textos que vão estar no livro e ainda dividi-los em categorias. É bacana ver que começa a se formar uma unidade, uma mensagem sendo transmitida mesmo em textos tão diferentes, sobre os assuntos mais diversos.

print do arquivo do livro, onde se vê as pastas: Vida, Papo leve, Papo Sério, Bobagens e Historinhas. Abaixo, a pasta FICOU DE FORA e OUTROS.

você não imagina o alívio que foi ver o arquivo do livro finalmente assim, organizadinho

O livro de Bobagens só não avança mais rápido porque surgiu uma outra história no caminho que vai exigir bastante do meu tempo e trabalho.

Comecei escrevendo à mão, preenchendo folhas e folhas, até pegar alguma intimidade com a personagem, que foi tomando conta da casa, colocando o pé em cima da mesa, e logo já estava mais à vontade na história que comecei a jogar dentro do computador, escrevendo um pedaço a cada dia.

Não vou dizer que será meu próximo livro. Para existir livro, é preciso primeiro existir história. E não necessariamente toda história se torna livro. Então vou apenas me concentrar em contar a história, até o fim. Depois eu vejo o que faço com ela.

Stephen King, no seu “Sobre a Escrita”, comparou o ato de escrever ao de escavar fósseis:

“Histórias são relíquias, parte de um mundo pré-existente ainda não descoberto. O trabalho do escritor é usar suas ferramentas para desenterrar o máximo de histórias que conseguir, tão intactas quanto possível”. 

Essa escavação é um trabalho delicado, que leva tempo. Quando o fóssil está lá bonitão, todo exposto, o trabalho que nos deixou cobertas de terra fica invisível. Mas nenhuma ossada de dinossauro é extraída do solo de uma vez só.

E é isso que estou fazendo: com minha roupinha de arqueóloga, toda suada, exposta ao sol, vou escavando uma palavra de cada vez. Porque é o processo de revelar a história aos poucos que me motiva a continuar essa jornada.

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Por falar em jornadas e diários, duas dicas de leitura:

Imagem do livro "Mas você vai sozinha?" e do fanzine "Farofrance"

Mas Você Vai Sozinha?” é o livro novo da Gaía Passarelli, cheio de histórias de suas viagens pelo mundo. O livro, em si, é uma viagem delicinha, que te leva de uma experiência com chá alucinógeno na Colômbia a ser perseguida por um alce selvagem na Califórnia, passando por uma convenção de bruxas no interior de São  Paulo, uma casa na árvore invadida por bichos, um jantar solitário em Nova York, etc. Altas aventuras, que se constroem também pelas adversidades. E tudo acompanhado das ilustras lindinhas da Anália Moraes.

Farofrance” é um zine da Giovana Medeiros, uma das minhas ilustradoras favoritas. Em forma de diário de viagem, ela conta (e ilustra) o que fez, por onde passou e o que comeu em cada dia de uma viagem de três meses que fez pela Europa. É legal como ela mostra que nem tudo é 100% maravilhoso: rola ficar perdida, comer na calçada, pegar chuva, ir em baladas péssimas, ficar doidona no parque num calor danado, mas também há muito espaço para novas amizades, lugares lindos, boa comida e diversão. Um dia de cada vez.

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“O mais importante é ter a paciência para escrever uma palavra por vez. Muitas pessoas não têm essa paciência.

(…)

Mas a tediosa tarefa de escrever precisa se tornar a sua segunda natureza.

Se você se senta e escreve quieto o dia inteiro, você terá escrito pelo menos duas ou três páginas, mesmo que seja uma luta. Se você continuar, eventualmente terá algumas centenas de páginas.

Acho que os jovens de hoje não entendem isso. Eles começam e querem chegar no resultado logo.

É preciso se acostumar ao trabalho de escrever. É preciso fazer um esforço para considerar a escrita não como algo doloroso, mas como rotina.

(…)

Escreva até o fim, não importa o que aconteça, até chegar a uma espécie de fim. Nunca desista, mesmo se ficar muito difícil no meio do caminho.” 


De uma entrevista com o diretor Akira Kurosawa dando conselhos para aspirantes a cineastas, mas que acaba sendo uma grande aula sobre escrita.

Assista aqui.

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Resolvi participar do #inktober este ano. Significa que vou tentar fazer um desenho por dia durante todo o mês de outubro. Acompanha lá no meu Instagram.

Minha versão da She-Hulk, usando um colante azul turquesa e um cabelo verde bem volumoso, segurando uma HQ do X-Men. Ao lado, ela diz: "se você não comprar minhas histórias, vou rasgar todos os seus gibis dos X-Men"

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Antes, o Evernote era o meu melhor amigo na organização das tarefas. Eu criava uma nota com todas as tarefas previstas para o mês. Depois de um tempo, comecei a me embolar toda, porque dessa forma eu não conseguia ver minhas prioridades e nem visualizar o que precisava ser feito aquele dia.

Dava para melhorar minha forma de usar o Evernote? Dava sim. Mas depois de ler este artigo, resolvi voltar para o papel.

Em um caderno, dividi espaços para cada dia de outubro e novembro, separando as semanas por ilustrinhas. No espaço de cada dia, escrevo a lista de tarefas – com uma letra miudinha, para caber tudo – com uma checkbox ao lado de cada uma, para eu marcar quando cumpri-la.

Simples assim. Mas faz uma diferença enorme: é fácil visualizar o que eu preciso fazer a cada dia, e algo no escrever à mão torna aquilo mais próximo, mais fácil de lembrar. Sem falar que não fico enchendo a lista com mais tarefas do que é possível fazer em um dia, iludida pelo espaço infinito de uma nota no Evernote!

Só assim consegui dividir melhor o meu tempo entre os projetos nos quais estou trabalhando. Separei tempo para ler, editar e sobretudo para escrever. Desfiz um nó enorme que estava me paralisando e agora o caminho ficou livre para eu focar no que preciso fazer.

Sei que só se passou uma semana de outubro e talvez seja cedo para concluir que está dando certo, mas até agora tem funcionado bem.

Organizando direitinho, todo mundo trabalha: a escritora, a editora e a ilustradora.

E quando eu tiver um tempinho no meio de tudo isso, volto para te contar mais bobagens!

Beijos diários,

Aline Valek

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