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Oi, <<First Name>>

Quando eu era criança eu sonhava com o apocalipse.
Sei que não é a melhor forma de se começar uma conversa no momento em que vivemos, mas por algum motivo eu sempre volto aos meus momentos de infância e as conexões simplesmente acontecem. Em minha defesa, o muro de Berlin ainda estava de pé e vivíamos sendo aterrorizados pelo relógio do dia final que anunciava quantos minutos ainda faltavam para o fim do mundo. Naquela época o apocalipse era a conversa-fiada da fila do banco.
– Que demora essa fila, heim? Será que o mundo acaba hoje?
– Vou perder a manhã inteira pra pagar essas contas, podia ter pelo menos terminado ontem.
As imagens de explosões nucleares na televisão; as corridas ao supermercado em dia de pagamento para garantir que a dispensa ficasse cheia antes que a inflação abocanhasse metade do pão; o plano Collor devorando as economias das pessoas e jogando todos na miséria, cenas de miséria e canibalismo de “Condição de Defesa” na sessão da tarde. O mundo era um lugar estranho e assustador e sonhar com o apocalipse era como sonhar com um dia na escola.
É verdade que eu cresci e os sonhos não passaram, mas talvez porquê eles já tenham se entranhado no meu DNA, como sequela de uma doença antiga, uma cicatriz que não dói, mas não vai se apagar.
E o mundo realmente acabou. Pode parecer exagero, mas se pensarmos com calma, foi o que aconteceu. Tinhamos a ideia de que o mundo se acabaria com o colapso da civilização, mas a verdade é que o mundo, tal qual conhecíamos acabou e aqui estamos, revirando os escombros para tentar reconstruir a sociedade, trancados em casa assistindo reprises na televisão e pensando no que pedir para o jantar. É um fim estranho, mas ainda assim continua sendo um final.
Aos sobreviventes – aqueles que mantiverem a sanidade – caberá descobrir que mundo vai existir daqui para frente. As discussões passaram por temas amplos como sistema de saúde, seguridade social e relações trabalhistas, mas também estarão nas menores coisas, na família do mercadinho da esquina que precisou aprender a vender pela internet, no casal de namorados que aprendeu a jantar na webcam para espantar a solidão, no happy-hour por vídeo conferência, na quantidade de vezes que vemos, falamos e abraçamos os nossos amados. Na nossa relação com o sol e o ar-livre. Tudo aquilo que estava ali disponível e de repente foi arrancado da gente, precisa ser repensado. Não acredito que voltaremos ao normal. O normal já era problema, antes do fim do mundo. Vamos precisar encontrar um novo normal, um que não nos faça perder tempo com as coisas que não importam durante o apocalipse.
Quando a quarentena acabar, proponho uma antiquarentena. Ninguém volta para casa. Vamos viver ao ar-livre, visitar os amigos sem avisar, fazer churrasco até de madrugada. Vamos sair para dançar, fingir que somos jovens, abraçar e beijar a todos, sem distinção, apenas pelo contato, apenas para garantir que estão todos lá. Pelo menos por mais um dia, estão todos lá. E isso é maravilhoso.

#Ontem ele estava ali

Era nesse papelão que ele dormia de noite. Durante o dia costumava zanzar por aí. Tinha uma rotina toda dele. Sentava na porta da padaria e esperava uma alma caridosa, um sorriso, um bom dia, um pão quentinho. A maioria das pessoas passava com pressa, de rabo de olho, fingindo que não viu, naquela torcida louca para que não precisar fazer alguma coisa. Tinha também quem gritava e ameaçava bater, botava ele pra correr, mas no fim isso era raro. O povo da padaria se metia no meio para não deixar ninguém judiar e ele sumia por um tempo, com o rabo entre as pernas, dava um tempo e voltava. Seguia assim, sem rancor nenhum. Uma alma boa, fácil de se gostar.
Revirava o lixo sim, é verdade. Muita gente reclamava, mas eu só sentia pena. Que importância tinha umas embalagens pelo chão quando se tem fome? Uma menina uma vez ficou esperando enquanto ele vasculhava um saco fedorento. Ficou ali parada, sorrindo, com uma quentinha na mão. Quando ele viu, deixou o saco de lado, olhou para ela meio que acanhado, meio que sorrindo e ela deu um passo para o lado, colocando a quentinha no lixo que ele estava mexendo. Assim. Tomando cuidado para não chegar muito perto, apressada para deixar tudo para trás. Da quentinha só tinha sobrado arroz, mas estava fresco e ele comeu assim mesmo.
Era eu quem dava água pra ele todo dia. Você já sentiu sede? Aquela sede de chegar em casa e beber um copão de água gelada? Imagina passar um dia inteiro sem água, dois dias, três. Enlouquece qualquer um. Até eu beberia água de poça para não passar sede. Água fresca eu sempre garantia e, quando dava, uma comidinha. Coisa simples, mas bem-feita. Dava gosto de vê-lo comer. Os olhinhos cheios de gratidão. A gente ajuda como pode. A fome é um bicho muito feio.
Teve a vez que as crianças deram um banho de mangueira nele, não sei se para ajudar ou se por maldade. Era um mês quente, não chovia nada, e as pessoas tampavam o nariz quando ele passava. Não por maldade, era quase inconsciente, daí a molecada esticou a mangueira até a calçada. O povo da padaria viu e gritou para eles largarem disso, eu cheguei até a sair no portão para dar um esporro também, mas talvez pelo calor, talvez para se livrar do mau-cheiro, ele pareceu feliz com a mangueirada e até quem era contra riu e deixou passar.
Foi triste demais o que fizeram com ele. Não dá pra entender gente assim. Ninguém vive na rua porquê quer, não é? Vê eu não vi, mas ouvi bem. O povo batendo e rindo enquanto ele chorava, depois ele chorando sozinho. Bem baixinho, como se tivesse vergonha, sabe? Liguei pra polícia, todo mundo ligou, mas ninguém apareceu, ninguém se importou. De manhã ele estava deitado ali no papelão sem se mexer, mas eu não quis chegar perto. Quem foi olhar disse que ele estava todo escangalhado, que já tinha até juntado mosca. Maldade demais. Muita tristeza, mas é vida que segue né?
Ontem passou uma moça aqui e perguntou dele. Eu contei o que aconteceu, mas ela não acreditou em mim. Disse que tinha visto ele no domingo, lá pro lado da igreja matriz. A desgraça tinha acontecido na sexta, eu disse que ela devia ter confundido, mas a moça insistiu que não, que era ele mesmo, que jurava de pé junto. Ela está maluca, eu vou te provar. Continua cavando, eu vou te provar.

#Sublinhado


"Ela se desculpou, explicando-me que, embora alguns homens domesticados pudessem ser levados para passear na rua sem causar escândalo, era normal eu andar preso."

– Pierre Boulle, O Planeta dos Macacos
 

“Nós não precisamos da destruição inteira de cidades para saber como sobreviver a uma catástrofe. A cada vez que perdemos alguém que amamos muito, vivemos o fim do mundo que nós conhecemos.”

–Dale Bailey, O fim do mundo como nós o conhecemos in Mundos Apocalípticos

#A Odisséia dos Tontos

A Odisséia dos Tontos é daqueles filmes que tem gosto de sessão da tarde. Ricardo Darín, é um empresário honesto que tenta montar uma cooperativa de grãos com sua mulher para ajudar a pequena cidade onde vive. Na luta para conseguir o empréstimo necessário para fazer negócio, acaba caindo na lábia de um esperto banqueiro acabando na miséria. Anos mais tarde, ele e seus amigos veem a chance de fazer justiça não apenas para si, mas para toda a cidade. A Odisséia dos Tontos é um filme leve e sem grandes pretensões, perfeito para os dias turbulentos em que vivemos, pode assistir sem medo.
 

#Ossos do Oficio

Se alguma dessas bobagens te interessou, talvez você queira dar uma olhada no conteúdo do meu site, onde publico artigos, contos e crônicas gratuitas periodicamente. Nele você pode também comprar alguns dos meus livros e me ajudar a pagar pela ração dos dois demônios que moram comigo.
Para aqueles que estejam se sentindo particularmente generosos (ou culpados de ficar baixando livro pirata, seus danadinhos), estou com campanha aberta no Catarse para financiar uma parte destas loucuras e conseguir viabilizar alguns projetos. A partir de R$5,00 você já me paga um café e garante que eu não durma antes de entregar o próximo capítulo.
A meta do catarse estacionou em 20% a algum tempo. É com esse dinheiro que consegui materializar os Contos Postais dos apoiadores, com ele ainda pretendo lançar um fanzine e uma novela seriada, mas antes de mais nada, estou economizando o dinheiro para colocar o site em ordem contratando um programador.
Você não precisa ajudar, mas se quiser, garante uns mimos. :)

#Agradecimentos

Meus agradecimentos ao Victor Burgos, Camila Fernandes, Ana Lúcia Merege, Brena Gentil e Mariana Sgambato que deram seu apoio no catarse para fazer com que esse boletim saísse da caixa de ideias.

Se você leu até aqui

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