Copy
View this email in your browser

O elefante na sala

Uma música para começar. 

A solidão é fera, a solidão devora.
É amiga das horas, prima, irmã do tempo,
E faz nossos relógios caminharem lentos,
Causando um descompasso no meu coração.
(...)
A solidão dos astros;
A solidão da lua;
A solidão da noite;
A solidão da rua.




Já é a milésima vez que me sinto perdida no tempo, colocando a data erra­da, confundindo os dias da semana. Dessa vez errei até o ano. Ao que parece estou em 2019 ainda. 

Por mais que 2019 tenha sido um ano esquisitão, olho para ele suspirando de saudade. Isso me faz pensar que, por con­ta da quarentena, estamos reavaliando tudo. Aqueles eventos ruins do ano passado nem parecem tão ruins assim, comparado com o temido agora. Me peguei olhando por essa perspectiva e pensando em como a vida é maluca. E linda pra cacete. 

Estamos trancados, sendo obrigados a ficarmos sozinhos, com nossa insuportável presença. E tendo que lidar com aqueles que moram com a gente sem surtar, ou melhor: sem surtar tanto. Percebemos que é o momento de admitir: é difícil lidar com nós mesmos. É quase impossível nos entendermos, nos conectarmos, nos sentirmos bem com quem somos. 

Cara, estamos perdidos dentro de casa. 

Não é de surpreender que tem muita gente surtando pra valer, seja por culpa da solidão, da ansie­dade, do medo, da política ou daqueles que vivem junto conosco. Estamos todos surtados.

Creio que sempre estivemos surtados, mas a vida so­cial ajudava a disfarçar. A obri­gação de ir trabalhar, de sair, de resolver coisas na rua... tudo isso era uma ótima desculpa para disfarçarmos o quanto já estávamos completamente fodi­dos.

A gente gosta de fingir que tá tudo bem, né?! Todo mundo tem um motivo pra isso.

Mas aí veio a quarentena.



Sei que não são todos que estão em casa, (se puder, por favor, fique), mas acredito que aqui temos um número grande de pessoas que não saem de casa já tem um tempo. Confesso que já acostumei. Não que eu saísse muito, sempre fui extremamente caseira. E meu trabalho contribui para isso, de certa forma. Sou professora e estou sempre rodeada por muitas pessoas boa parte do tempo e sou obrigada a usar todas as minhas habilidades sociais e comunicativas no nível extremo.

Porém, também sou introvertida. Logo, uma pessoa introvertida que se vê obrigada a usar a carga máxima de suas habilidades sociais, também se vê com uma necessidade tremenda de parar e recarregar com muito mais frequência do que o normal. Uma pessoa introvertida & professora fica ainda mais exausta. Nível crítico. Por isso que ficar, quietinha, quietinha, na minha, com a companhia do silêncio e de um livro sempre foi minha definição de felicidade e sempre foi meu momento de recarregar minhas energias.

Ainda assim, passei quase as 3 primeiras semanas de isolamento me sentindo mal. Não por estar trancada em casa, mas por conta da situação mundial mesmo. Especialmente por conta da política. Tive que me afastar de forma um pouco drástica, não iria suportar continuar vendo notícias sobre o assunto. Posso até dizer que ando mal informada sobre política e sobre o próprio vírus, mas no momento a minha prioridade é a saúde mental e emocional. 

Atualmente, na 7ª semana de isolamento, consigo lidar com tudo de uma maneira um pouco mais leve. No entanto, ainda existem notícias que me deixam tão nervosa, parece que vou entrar em colapso, quebrar. E é esse tipo de notícia que venho tentando evitar - com dificuldade, porque o Brasil é um show de horrores, cada dia é uma coisa mais absurda que a outra. Mas a melhor coisa que fiz foi me afastar, tomar uma distância de tudo isso que é externo, cruel, barulhento e temível. 

Fui tentar me fazer voltar para dentro, mesmo não vendo um cenário tão diferente, pois também me deparei com coisas barulhentas, inquietas, assustadoras, outro show de horrores. 

Mas esse show de horrores é meu, e essa minha minúscula jornada de 28 anos já me mostrou que tenho que aceitar que esse show nem sempre será bonito e cheio de coisas boas, nem sempre terá a melhor atuação, o melhor roteiro. Aliás, tem um roteiro todo fodido e maluco, David Lynch ficaria feliz em assistir. Mas é meu show, eu sou a protagonista, a diretora, a roteirista. Não consigo administrar tão bem esse show, ainda não. Alguém, de fato, consegue?

Mas sinto posso aprender a lidar com ele de alguma forma, posso até controlá-lo e dirigi-lo melhor em alguns momentos. Tem elementos nesse show que já virei craque em identificar e sei como lidar, outros me assustam de maneira paralisante.

E é normal, creio eu. 



Outro dia eu vi um vídeo no youtube sobre solidão. Era um vídeo poético, delicado e sincero. Esse vídeo ficou na minha mente, batucando, até que parei para dar atenção ao tema. 

A solidão é algo que nos devasta, é assustador. A gente NUNCA quer admitir que estamos nos sentindo sozinhos, é uma espécie de derrota. E é horrível termos chegado nesse ponto. Eu estou me sentindo sozinha porque não tenho as histórias malucas dos meus alunos, não tenho o contato físico, não tenho aquela comunicação exacerbada - mesmo que ela acabe com minhas energias, sinto uma falta danada - ficar sem isso me bate aquele famoso vazio. Pode parecer maluquice, sei que muitos dirão: nossa, mas você se apega demais aos seus alunos. Me apego mesmo, adoro aquelas criaturinhas, acho estranho quem não se apega, eles são pessoas, tão humanos, tão complexos e tão profundos como qualquer um.



O negócio é o contato físico mesmo, o estar pertinho, o tocar, o abraçar. A falta disso nos destrói aos poucos. Como disse o Criolo "até o mais desandado dá um tempo na função, quando percebe que é amado". E o nosso contato pela internet pode aquecer o coração por alguns momentos, mas não substitui o estar perto. A gente sabe que é amado, mas o contato físico é essencial para nossa alma.

Está tudo bem admitir que sentimos falta do contato do outro. Acho até saudável admitir, encarar de frente que a situação é essa, e estamos machucados, mas assim como qualquer ferida, essa também vai cicatrizar. Assim como também deixará uma marca. 

Tudo que machuca ensina. 

"Observar é ser e não ser. Ou ser de um jeito diferente."


Mas também vejo um lado muito bonito nesse show de horrores. Estamos sendo meio que forçados a olhar para o caminho do autoconhecimento. Muitos estão tentando entender quem são, o que querem, o que vão fazer depois, quais seus sonhos, seus medos, seus desejos mais viscerais. Muitos estão tentando se dedicar mais aos relacionamentos, reforçando as amizades, conversando mais com os pais, ouvindo o outro com mais atenção. Muitos estão escrevendo, criando, lendo, estudando, pensando. Mas especialmente, muitos estão sentindo. Sentimentos por todo lado, não há como escapar. Tudo isso faz parte de um lindo processo de se conhecer, de se aceitar. 

Independente de como esteja o show nesse momento, ele conta a nossa história. É individual e coletivo. Esse é um momento único que todos nós, protagonistas - diretores - roteiristas, estamos vivendo juntos. Estamos contando essa história cada um em seu palco, dentro de casa. Mas assim que se finalizar esse ato, vamos nos abraçar fervorosamente, retornar com mais carinho e com olhares diferentes. Também gosto de acreditar que, depois disso, retornaremos mais conscientes do nosso papel de protagonista.

Uma música pra terminar.

ê quer saber
Então vou te falar
Porque as pessoas sadias adoecem
Bem alimentadas ou não
Porque perecem?
Tudo está guardado na mente!
O que você quer nem sempre
Condiz com o que o outro sente
Eu tô falando é de atenção
Que dá colo ao coração
e faz marmanjo chorar
Se faltar
Um simples sorriso
Ou às vezes um olhar
E que se vem da pessoa errada
Não conta
A amizade é importante
Mas o amor escancara a tampa
E o que te faz feliz
Também provoca a dor
A cadência do surdo no coro que se forjou
E aliás, cá pra nós, até o mais desandado
Dá um tempo na função quando percebe que é amado
E as pessoas se olham e não se falam
Se esbarram na rua e se maltratam
Usam a desculpa de que nem cristo agradou
Falô, você vai querer mesmo se comparar com o senhor?

As pessoas não são más
Elas só estão perdidas
Ainda há tempo

 




Todas as imagens que usei nessa news são do filme Medianeras, meu filme favorito de todos os tempos. Nem preciso dizer que recomendo muito, né? 

Fico feliz de estar de volta escrevendo essa cartinha. Espero que você tenha gostado, vamos continuar trocando ideias. Minha intenção é postar duas cartinhas por mês, ainda não tenho um dia fixo, estou trabalhando na organização dessa parada. 

Beijos, 
até a próxima!
 
Meus links:
Blog ◈ Twitter ◈ Instagram ◈ Goodreads 
◈ Spotify ◈ Letterboxd ◈ Tv Show Time ◈ Link da Amazon ◈ Wishlist






This email was sent to <<EMAIL>>
why did I get this?    unsubscribe from this list    update subscription preferences
Acúçar ou adoçante? · R. Cap. Pacheco e Chaves · São Paulo, SP 03126-000 · Brazil

Email Marketing Powered by Mailchimp