“Eu estou só. O gato está só. As árvores estão sós.
Mas não o só da solidão: o só da solistência”
(Guimarães Rosa, em “Ave, Palavra”)
solidão, modo de usar
"Da solidão da existência padecem fauna, flora e humanos, com a desvantagem de que os humanos sabem disso. Existimos como peixes, gatos e árvores, mas ao termos consciência disso, vivemos a “dor de existir”, como dirá Lacan.
Para essa dor inescapável, de nos sabermos falhos e finitos, que remédio inventamos?
(...)
Cada cultura e época terá sua marcas preponderantes, que nos afetarão a todos, embora de formas diferentes. Na nossa, o culto ao individualismo, os ideais de independência e autossuficiência caminham juntos com a sanha por popularidade, celebridade e influência. Estamos com o outro na condição de segui-lo ou ser seguido por ele. Atendemos a demandas em busca de aceitação, na contramão do desejo próprio. Os animais de estimação têm sido o paradigma da companhia perfeita, afinal, eles nos são fiéis e nunca discordam.
Outra marca de nossa época é o ideal de produtividade neoliberal, que extrapola o âmbito do trabalho — e de caráter autoescravizante —, contaminando o lazer e as atividades pessoais. O circuito ininterrupto de trabalho-lazer-relações é mantido à base de drogas lícitas ou ilícitas, tanto faz. As imagens nas redes sociais provam como nossa vida é produtiva de domingo a domingo. Só nos resta alternar esse ritmo desumano com períodos de paralisação alienada.
(...)
Não suportar as demandas excessivas é dica de que caímos na armadilha de tentar dar conta delas, de tentar respondê-las. Vemos o alívio que algumas pessoas sentem com o isolamento, usando a quarentena como desculpa para dizer alguns “nãos”, os quais não se atreviam a dizer.
Esse “vácuo” possibilita que se ponha em xeque casamento, trabalho, filhos, vida social, o que pode ser bem assustador para quem vivia fugindo de si. Respondendo incessantemente às demandas, sobrava pouco tempo para olharmos nossos desejos.
Se a pandemia nos deu o álibi social, por outro lado não resolveu o problema de convivermos conosco sem as distrações do mundo lá fora. É difícil ser boa companhia para si mesmo, quando não queremos ouvir o que desejamos de fato. A quarentena acabará, mas a questão da solidão continuará um tema humano fundamental."
das reflexões para salvar o minuto (ou dias, ou períodos todos de isolamento): que buracos a sua solistência está te fazendo encarar, que as distrações da sua "vida normal" não te permitiam reconhecer?
"O fato de estarmos conectados coexiste com o fato de estarmos sozinhos, um não reduz o outro. Quando nos comunicamos com a solidão do outro, estamos reconhecendo sua liberdade de ir embora a qualquer momento. O amor aumenta com a solidão."
(as imagens para ilustrar cada drops são sempre escolhidas com muito carinho e cuidado, algumas de minha própria autoria e outras que encontrei por aí. todas estão sempre linkadas na própria imagem - caso queira saber mais, é só clicar ;)