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tenho pensado #9

Oi, gente! 🤙

Faz tempo, né?

Como vocês devem imaginar eu não estive muito apta a escrever sobre nada nos últimos meses porque antes de qualquer pessoa me censurar eu mesma me censurei com aqueles subterfúgios de que “ninguém é tão importante” ou “tem gente com problemas piores” ou ainda o clássico "qq eu sei da vida tá cheio de dotor aí deixa eles falar" (sic). 

Mas essa semana a adorável Lu ficou me falando da importância de escrever sobre o que for, não castrar a imaginação.

Demorei um tempo pra digerir tudo que ela me disse sobre passado, presente e tempos diversos. O pensamento ficou latejando em mim feito uma mistureba de tantas outras referências sobre a mulher que fala e se faz existir.

Fiquei pensando nessa coisa que vai e volta, que se expõe e se esconde, na coragem (intelectual e física) que constitui o existir feminino. E que se parece tanto com os ritmo da pandemia.

Vocês vão notar que essa news tá meio diferente, trouxe poucas citações e poucas referências. Infelizmente não tenho desculpas pra isso porque só fiquei com preguiça, mesmo. Também não coloco nenhuma poesia porque só escrevi uma nos últimos 4 meses. Não coloco, tampouco, arte porque não pensei em nada que gostasse.

¯\_(ツ)_/¯

Ela também é diferente porque é do contexto das coisas que estão sendo. Por fora e por dentro. Então peço perdão pela quebra de expectativa que alguns terão e se considerarem que é o caso, sugiro que voltem para a news#1 e leiam o que falei sobre sinceridade (tem várias citações hahaha). 

🌻

No mais, desejo que estejam todos o melhor possível.

Gostaria de aproveitar e lembrar que a própria OMS define saúde como: “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Ou seja, o corpo não pretere a mente, o coração e as adjacências individualmente denominadas. Sejamos doces conosco, né, galera. Oh a situação. Então foco no: sem desespero e com carinho porque ninguém é perfeito, nem mesmo a própria Rihanna (a mulher mais linda da atualidade).

De minha parte envio afeto pra vocês e aguardo ansiosa as respostas 🖤❤️

(pra responder é, como sempre, só dar reply na mensagem e mesmo que eu não responda, porque tou sempre devendo tempo, lerei com amor e ficarei muito feliz)

O ritmo da maré que embala essa jangada quebrada na qual nos encontramos
Meus últimos meses foram bem diferentes, como imagino que seja verdade para todo mundo. 

Os primeiros meses de isolamento passei convivendo com um medo de anos atrás que voltou e envolve a perspectiva de morrer sem ter como pedir ajuda.

Pra lidar com isso, admito, voltei pra sistematização (sobre a qual falei na news#7) que adoto quando sinto que estou perdendo o controle: tabelas, metas, calendários. E tive meses bem ordenados, até ficar doente ou simplesmente exausta, ainda não sei bem o que ocorreu.

Mas em resumo, meu corpo deu um basta nessa otimização e dormi muito. Hahahaha.

Fora isso, também passei umas boas semanas (o tempo cronológico me foge nessa situação sem marcadores) tentando fazer as pazes com uma coisa que eu achava que já tinha feito as pazes, o fato de ser muito estranha e mental. Uma pessoa voltou diretamente do ano passado e me disse umas coisas bem brutais sobre a forma como operam meus pensamentos e sentimentos.

Eu fiquei com vergonha de ser essa nerd estranha que sempre fui. 

Uma vergonha que, admito, achei que tinha superado em 1998 quando Daniel Pellizzari me disse: “tu é estranha, né?” e notei que meus esforços por passar normalidade eram totalmente infrutíferos. 

Mas incrivelmente ela ainda estava lá, minha grande ferida narcísica (uma delas hahahah).

E foi nessa mesma época que um poema meu foi selecionado em um edital e isso infelizmente isso não aplacou nem trouxe nenhuma redenção das inseguranças e doideiras que nutro. Na real saber isso se pareceu muito com tudo que envolve a poesia e meus modos estranhos, tipo ser muito mental. Foi uma coisa entre eu mesma e euzinha, apenas. 

Mas no final fazer as pazes com quem somos é um processo de vida, mesmo, e de novo lembra muito a news#7, em especial essa citação:

“Projetar a voz não tem a ver com falar mais alto, mas com se sentir no direito de exprimir um desejo. A gente sempre hesita quando deseja alguma coisa. Nas minhas peças gosto de mostrar a hesitação em vez de escondê-la. A hesitação é diferente da pausa. É uma tentativa de barrar o desejo. Mas quando você está pronta para agarrar esse desejo e colocá-lo em palavras, você pode sussurrar que a plateia inteira vai ouvir.” 

(De toda forma, quando o poema estiver disponível, mando um email aqui avisando. Estou tentando ordenar algumas das poesinhas que escrevi nos últimos anos e/ou postei aqui em um arquivo que também dividirei neste mesmo emailzinho)

Por fim ontem de noite, enquanto pensava sobre como fui obrigada a lidar com minha vulnerabilidade em um contexto de luto - a morte de uma amiga querida (quer dizer, não adianta fugir que as coisas te acham), minha mãe (sem saber disso) me avisou que hoje é (ou seria) o aniversário dessa minha amiga, a Aline.

Aconteceram, claro, mais coisas, algumas talvez mais importantes ao olhar do mundo, até. Mas isso é um bom resumo da forma como a própria noção de temporalidade, esse vai e vem de tempo e de existência, tem se desenrolado no isolamento pra mim.

Nenhum dia é só um dia, todos os dias são todos os anos da minha vida em um desdobramento e espelhamento infinito. 

É como uma trama do David Lynch, mágica, apavorante, sem linearidade possível. 

Nem um pouco surpreendentemente a primeira grande coisa que me chamou atenção nessa pandemia foi um discurso sobre o tempo. Lá no comecinho fiquei obcecada com a forma como todos faziam piadas e comentários impertinentes sobre a maneira como os mais velhos estavam reagindo ao isolamento. 

Acho que alguns de vocês sabem que etarismo tem sido um grande tema de interesse meu nos últimos anos. Primeiro, claro, pela forma como incide nas mulheres. Mas nos últimos meses também pela forma como se tornou muito rapidamente um discurso aceitável de exclusão. 

Como se fosse normal insinuar que não existe um nível de conhecimento e de percepção da vida diferente para pessoas mais velhas. 

Muito rapidamente os velhos passaram a ser tratados “como crianças” e isso foi aceito como o novo normal. Na nossa construção social tratar alguém “como criança” é um meio bem fácil de acachapar o ser porque crianças, a gente gosta de acreditar, são desprovidas de conhecimento e subjetividade. 

Elas não sabem como as coisas funcionam. As coisas reais, que são as coisas de adultos, do mundo, não esses rolê errado aí de ser criança. 

Partindo disso passei pelo menos 2 desses meses de isolamento olhando para como a pandemia estava se tornando uma metáfora da própria sociedade. Começando pelas pessoas que colocava em seu bolsão de fragilidade, os grupos de risco: os que já são muito velhos (para trabalhar), os que estão presos (e, portanto nem pertencem à sociedade de consumo); os que tem doenças crônicas (ou seja, defeitos que diminuem sua qualidade como trabalhadores); os que sofrem de tristezas ou angústias (imobilizantes e profundas que os impedem de render perfeitamente), etc.

Foi como assistir nossa sociedade sendo reduzido a sua essência. Quer dizer, se os discursos de pandemia fossem uma fragrância seriam o próprio capitalismo. 

Até chegar nesse ápice que é momento que estamos agora, no Brasil. Um momento no presente e no passado, em que tantas pessoas falam e agem de maneira desimpedida e despudorada ao afirmar que algumas vidas simplesmente valem menos, mesmo.

Um momento do nosso presente e do nosso passado no qual a polícia e a doença se unem para bater records de morte de pobres, negros e indígenas. 

Neste momento do presente e do passado, os governos se sentem livres para decretar que o trabalho importa mais que o afeto e falam amplamente sobre reabertura progressiva de comércios (em detrimento de dados) mas em momento algum cogitam tratar de um processo de reinserção social, como tem sido feito no resto do mundo. 

Mesmo com tudo isso, tantos de nós ainda permanecem congelados naquela esperança de uma lei, um pai, um deus ou uma força redentora externa que vai dar ordem em tudo. 

E, modéstiaparte, não tem ninguém mais apto para olhar criticamente pra esse lugar social de espera que uma mulher.

Somos criadas pra isso. E mesmo quando lutamos contra este lugar, quando decidimos aposentar a Penélope, renomear destino como decisão, atitude, busca por liberdade, isso ainda é um espectro que ronda. 

Enfim, rapeize, pra mim é difícil chegar em alguma conclusão sobre o que está sendo agora, neste presente-passado que estamos vivendo.

O mais longe que vou é ousar a falar é isso: pro resto das pessoas que moram no Brasil, assim como tem sido para as mulheres, deixar a espera de lado e tomar a resolução do que pode ser feito nas próprias mãos talvez seja um bom caminho para mudar a situação.   

Agora como se faz isso, cada um defina sua forma que não sou bula. Hahahahaha.

No mais, acho que esse texto resume um pouco dos meus dois grandes pensamentos nesses dias: o tempo quebrado (presente-passado) e os discursos e posturas sobre a pandemia como uma metáfora da própria sociedade, sem querer soar Sontaga. 

Gostaria de ler o que vocês tem pensado sobre isso. 

Referências indiretas ou diretas

Sontaga ali em cima é Susan Sontag no livro Doença como Metáfora

O último livro que li sobre etarismo foi Out of Time da Lynne Segal

Pra quem se interessa sobre Democracia securitária a LASInTec tá fazendo boletins muito instrutivos 

Esse texto/gráfico fala do tempo na pandeminha. 

Citação

"Só vejo o dorso de Deus, Vittorio. tem listras. nunca lhe vejo o rosto. certa vez tentou acariciar-me, e fez-me uma ferida. aqui em Itiquira tudo é fome. o lugar foi esquecido. eu e meus pobres também. há um leprosário a 5Km daqui e plantamos o dia inteiro numa terra que não é nossa. ajudamos os doentes. há uma pequena capela. e gentes e muitos cães, todos magros e tristes. eu canto às vezes. a canção do sol. diz o estribilho que "o sol ilumina aquele que capina". quando há fome a poesia é também pobre. por que me escreves? dizes que precisas da minha benção. minha alma é mais magra do que a tua, Vittorio. Deus ama a indiferença e a aspereza. descobri há pouco. também é possível domar Deus dentro de nós. blasfemando somos um pouco santos, sabias? excitamos o OUTRO para que não durma tanto. tu és melhor do que eu. acaricio tanto a meu Deus, tanta volúpia que hoje tenho as mãos feridas e muitas vezes sangro. temos a mesma idade, Vittorio, eu e tu, eu e Deus. é um velho também, Ele. mas forte como um tigre-menino. tem horror que se lhe saiba o nome. certa noite, intuí, então chamei-O. lanhou-me todo o ventre. as coxas. a semente. uma voz delicada e sonolenta vinda das folhas altas de umas árvores negras se expressou assim: Dom Deo, se repetires o Meu Nome ainda que às escondidas, dentro da pedra, ou dentro da tua própria barriga, hás de perder a vida. e entendi que não se referia a esta vida, esta aqui da Terra, não Vittorio, ia perder para sempre a mais remota possibilidade de voltar a ser. temo-O agora e contando-te, tremo. não contes a ninguém o que te escrevo. se souberem disso, as gentes, hão de ficar tão desamparadas como tua amiga Hillé, aquela de quem tanto gostavas. soube por uma sua vizinha, uma destrambelhada, Luzia, que Hillé deixou-se morrer embaixo de uma escada. e que sua última amiga foi uma porca. Hillé chamava-a apenas com este nome: senhora P. disse-me também Luzia que a senhora P morreu com Hillé, à mesma hora, e no mesmo dia. caríssimo: lembra-te se puderes, de nós daqui. roupas e comidas são bem-vindas. e cuidado! não tentes adivinhar o rosto Daquele Dorso. guarda-te de geometrias e luzes. a mais ínfima busca ao redor dessas duas... cuidado! guarda-te."
Hilda Hilst
Estar Sendo. Ter Sido
♩ ♪ ♫ ♬
(tenho ouvido muito samba e pagode, então quem preferir sinta-se livre para segurar a criança)
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