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A curiosa arte de descrever a intimidade
Não é segredo para ninguém que me segue e lê essa newsletter que eu gosto muito de escrever.

Mais ainda, tudo o que faço com o startupdareal não é nada menos do que um modelo para escrever, podendo exercitar formas diferentes de escrita e testando diversas alternativas de uso da linguagem. 

Meu objetivo como escritor é tentar traduzir uma realidade intima de forma mais crua. Aceitar falhas, assumir comportamentos ruins e que na maioria das vezes seriam floreados para transparecer alguma forma de superioridade.

É assim que me conecto com as pessoas na escrita e, como é muito difícil separar, também na minha vida real. Eu procuro minhas falhas e tento não escondê-las para sustentar uma projeção externa. 

Essa é uma comunicação que não nasci com ela, mas conforme fui desenvolvendo a escrita, entendi que dialogava melhor com a mensagem que quero transmitir, e também com a pessoa que eu quero ser. 

Num mundo onde todos tentam criar uma imagem enfeitada do que são, encontro minha liberdade tentando ser transparente com minhas falhas e erros. 

Existe um pequeno livro que traz muito dessa forma de escrever que acabei aprendendo. Tenho muitas referências na escrita, mas essa certamente me ajudou a entender como aceitar meus defeitos e descrevê-los em texto. Minhas dores internas me ajudam a encontrar outras pessoas que se sentem como eu.  

Hyperbole and a Half é um livro ilustrado e não muito longo. A autora, Allie Brosh, produzia as histórias num blog e acabou compilando em livro. O conteúdo dos textos são simples e trazem um tom muitas vezes cômico, mas quando Allie decide falar sobre como se sente, suas descrições são incríveis. 

Sua escrita é uma, mesmo simples e direta, é análise muito fria, cortando os filtros sociais e entregando o que é, e não o que parece ser. E, ao menos que você ainda brinque de fingir para o mundo que é um super-herói sem falhas, a identificação surge em algum momento.

Selecionei um trecho de um texto. Na verdade, a segunda parte desse texto, e que apresenta essa aula de autoanalise e aceitação dos defeitos.

Espero não estragar a experiência de quem decidir ler o livro, mas acho um trecho riquíssimo e que, para essa newsletter, cumpre dois objetivos: condensa tudo o que quis explicar sobre escrever descrevendo uma realidade intima, e também levanta a própria reflexão interna que o texto procura estabelecer.

Espero que gostem:

 
Identidade, Parte II - Por Allie Brosh
 
Em um nível mais profundo, sou alguém que jogaria areia em crianças. Sei porque já me impedi de fazer isso, o que significa que é o que estaria fazendo se não tivesse me impedido.

Eu também empurraria todo mundo, nunca dividiria nada e gritaria com quem não me deixasse fazer exatamente o que eu quisesse.

Mas eu não faço essas coisas. Porque não quero saber que as fiz. Isso debilitaria minha habilidade de me sentir uma boa pessoa. Eu nem quero saber que eu as faria. Felizmente, tenho um sistema completo de mentiras e truques prontos para me impedir de encarar quão babaca eu realmente sou.


Se você é mesmo uma pessoa genuinamente boa, talvez não precise de mentiras e truques para se sentir bem consigo. Mas todos os dias – contra minha vontade – sou bombardeada por pensamentos egoístas de merda e não quero descobrir que a razão de eles aparecerem é que realmente sou assim. Isso seria decepcionante. Esse sistema me protege disso. Mas eu sou meio gananciosa com as boas qualidades que acredito ter e não sou muito esperta, então, em certo momento, meio que por acaso, começo a entender tudo.





Quando você começa a sacar que é uma farsa, é como abrir um túnel para todas as mentiras que você já se contou. O túnel é fundo e assustador, mas você desconfia dele e quer ver o que tem lá embaixo.

Eu queria saber se estava mentindo para mim sobre outras coisas. E, com uma investigação mínima, fui capaz de perceber que estava mentindo muito.

Foi horrível descobrir os defeitos que eu não conhecia. E foi pior saber que algumas das coisas que eu achava que eram boas na verdade se tratavam de defeitos disfarçados.

Achei péssimo.


Esse é o ponto em que a maioria das pessoas pararia de fuçar. Porque elas são espertas o suficiente para sacar que melhorar a própria identidade é um processo de exploração delicado para a vida toda, até encontrar uma mínima quantidade de verdade – apenas o suficiente para nos deixar desconfortável – e aí sair correndo para processar o que se aprendeu no conforto de nossa familiar e aconchegante fortaleza da mentira.

Mas não eu. Eu sou arrogante e pensei que poderia lidar com tudo de uma vez. Pensei que todo o processo seria como se livrar de um marimbondo – algumas ferroadas, mas, removendo a origem do problema, acabou. Ao contrário dos marimbondos, no entanto, não dá para bater com um galho comprido em suas falhas de essência até a morte, se escondendo atrás de uma máscara de esqui e uma nuvem de inseticida. E, ao contrário de vespas, verdades inconvenientes não param de surgir depois de ter sua casa destruída.

Em algum nível, acho que eu realmente acreditava que, se continuasse, talvez pudesse localizar a fonte de toda minha farsa e me livrar mesmo dela.

Infelizmente, a fonte de minha farsa é o fato de que sou uma farsa. Simplesmente sou. Não consigo não ser assim. Não consigo me impedir de ser ativamente uma farsa. Eu posso fazer coisas que um não farsante faria. Mas a merda da farsa sempre estará lá, numa camada mais profunda, lutando para emergir.

Eu não sabia disso a essa altura, porém. Eu tinha uma maravilhosa máquina criadora de mentiras me protegendo de algum dia entrar em contato com essa informação, e, meio que ironicamente, isso que me dava confiança para ignorar os sinais e seguir em frente.


O cérebro humano sabe quando não está pronto para descobrir algo sobre si mesmo, e há algumas medidas de segurança a fim de manter você seguro, caso decida passear como um idiota imprudente pela natureza selvagem de sua mente.



Minhas tentativas de autopreservação falharam e viraram pistas que eu poderia usar para me guiar na direção da verdade.


Estava perigosamente perto de descobrir o funcionamento de meu gerador de autovalorização, e isso não era uma coisa sobre a qual eu queria saber – pois, como com a maioria das ilusões, ao descobrir como funciona, você passa a não acreditar mais. Mas o maldito Sherlock Holmes Explorador da Psicologia se negou a desistir.



Fiquei bem chateada quando entendi.


Ninguém gosta de ser enganado, ainda mais por tanto tempo e sobre todas as coisas que lhe importam.

Não queria que minha fonte de problemas fosse “Você é meio que pior do que gostaria e teve que se enganar para não descobrir e se desapontar”.





E eu tentei mesmo, mesmo. Suponho que isso já seja algo. Posso não ser alguém que nunca tem vontade de empurrar pessoas ou jogar areia nelas, mas eu tento ser esse alguém. Na competição de não jogar areia e não empurrar pessoas, eu ganho a medalha de participação.

E embora eu saiba que não há requisito para ganhar essa medalha, a não ser participar, ainda assim tenho orgulho dela, porque É DIFÍCIL não empurrar pessoas e não jogar areia nelas.

Mas eu ainda tento me enganar.
Sei que estou sendo enganada, mas eu deixo levar porque isso é gostoso.





Hyperbole and a Half pode ser comprado neste link

Exclusivamente para vocês assinantes da newsletter e gostaria de pedir que não saísse daqui, anuncio hoje a nova capa da versão revisada e ampliada do Este livro não vai te deixar rico.

A editora planeta esta recolhendo emails para enviar informações sobre o evento de lançamento e outras informações sobre o livro. Gostaria de pedir que se inscrevessem em http://bit.ly/CadeOStar

Não vai rolar SPAM, juro. 


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Essa é a primeira news de segunda-feira. Para fazer algo especial e diferente, trouxe um conteúdo bem mais longo e tirei as indicações (elas vão voltar, mas acho que em outro formato). Inclusive porque uma das indicações chamava-se "#sextou". 

Espero que gostem e obrigado de coração aos emails que enviaram semana passada me tranquilizando. Foi incrível saber que tenho amigos compreensivos do outro lado dessa tela. 

Boa semana para vocês!

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