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um monte de texto guardado que eu não tenho onde enfiar

[título ilegível, dedos sobre tecla, dois mil e never]

E agora o que eu faço
com a rosa 157 exalando teu perfume?
Do amor restou o cinismo,
extinto por decreto todo lume.
Quando a notificação mostra teu nome,
meu peito ainda explode de tanta fome.
E quando minha mão toca o telefone
o ardor me sobe: puro vício do ontem.
Os resquícios da paixão são abstinência,
cheiros e a maldita memória afetiva.
Não sinto tua falta, não tenho olfato
e acrescento traumas de forma retroativa.
Nunca acreditei em amor da vida,
sem idealizar prezei sempre pelo tato,
então deveria desistir do que funciona
ou garantir não ser efêmero cansaço?
Como decretar fim e carregar este fado?
Não seria puro querer do que não existe?
Sei que essa cisma não me abandona
e todo dia com insistência me maltrato.
Sinto falta, tenho olfato, afeto é caro.
Me contradigo a cada dois segundos,
mas me apego às certezas e estragos —
será tarde pra dizer as três palavrinhas?

Ainda te quero.
I

Se há algo que sobrevive nessa relação
é meu impávido medo de que não haja uma próxima.
Ou, principalmente, de que tudo que foi ação
se torne inércia, massa amorfa, antes sólida.
Que, deitado ao lado de alguém, me venha
o mesmo impulso de te ligar que sinto agora,
como se tua voz fofa e teu jeito rude
fossem solucionar meus problemas a essa hora,

como se essa voz fosse melhor que qualquer
horário que marcasse com uma psicóloga 
(melhor que psicoterapia, não tô a fim de Gestalt,
não boto fé em psicanálise, TCC eu tô fora),

como se não houvesse na minha história
humana capaz de suprimir a escória
de mini eus que me perturbam a mente,
que me tiram o sono,
que não me dão abono,

exceto quando tu tocava no FaceTime.

[Poema do livro]

por falar em poesia...

Oco

GALERA, SÉRIO, LÊ ESSE TEXTO, MEU DEUS DO CÉU, EU SOU FÃ DEMAIS DO JAÍLSON
mas lê com calma, me perdoe os gritos

Tudo que sabe em um instante

Talvez eu já tenha indicado esse texto da Jackie, mas se já indiquei indico de novo porque curto muito.
LEEEEE

mas chega de poesia, bagulho é prosa

6.

É óbvio que pensei no que fiz e no que poderia ter feito. Deveria? Não sei. Não sei, por exemplo, se poderia ter salvo ele. Quando vi o corpo do Neto saindo da mansão eu me perguntei se, quando o vi caído no vaso parecendo um quadro do Francis Bacon, eu poderia ter feito algo pra ajudar. Naquele instante eu pensei unicamente em tirar o meu da reta — eu não queria ter minha mão naquilo, não queria ser culpado nem indiretamente, e acabou que me tornei cúmplice daquela morte por ter omitido socorro. Eu poderia, por exemplo, ter dado um tapa na cara dele, ter mantido ele acordado, ter chamado uma ambulância, ter enfiado minha mão na garganta dele pra ele vomitar, ter procurado no YouTube um curso intensivo de cinco minutos de primeiros socorros — e, mesmo após fechar a porta, eu poderia ter voltado, pensado melhor; poderia ter pensado nisso até mesmo após entrar no carro, após chegar em casa. Mas eu só fechei a porta do banheiro e fui embora, sem olhar pra trás. E isso eu não posso mudar.

Não posso mudar porque agora aquele instante imutável se reproduz em sequência na minha cabeça, e seguido dele dirijo todas as minhas possíveis ações, todos os filmes que não chegaram a existir — mas quando as luzes se apagam e os atores do meu curta metragem vão embora tudo que me resta é a culpa e a eterna mácula que me deixa o que não foi.

[Trecho de um livro que eu nunca terminei e coloquei aqui porque acho instigante a ideia de sofrer por algo que não existiu. É sobre um bilionário do setor carnívoro que, após morrer, deixa boa parte da fortuna pra uma ONG de veganismo e proteção aos animais. Descobrem que ele era o principal doador há anos, acham que a morte foi assassinato, outros acham que foi suicídio e eu aproveitei tudo que escrevi pra falar de veganismo, meio ambiente, capitalismo consciente, relações trabalhistas, pobreza, relação frágil com dinheiro, relacionamentos amorosos, egoísmo e depressão, que era o tema principal e eu parei de escrever por não ter conhecimento o suficiente sobre o assunto.]
34.

Mãe, a senhora se arrepende?

Num me arrependo de nada, Beto.

Ele deu um gole no vinho.

Nada?

Beto, as coisa que a gente faz pela família nunca tá errada.

Ele deu outro gole e respirou fundo, olhando pra luminária acima deles que jogava luz sobre a mesa.

Pai não pode nem tocar no assunto que —

João é doido, Beto. Ocê já passou fome?

Não.

Então agradeça à gente. Ao que a gente fazia. Foi tudo pra dar de comer pr’ocês.

Hoje sabe onde vocês estariam?

Hoje num interessa, Beto. Já acabou.

Hoje tu não ia repetir os mesmo erro.

Beto.

Oi.

Eu faria tudo de novo se precisasse.

Ele pegou a taça de vinho e bebeu o resto num só gole.

[Trecho de A amarga marca na paisagem escura.]
[sem título, poema incompleto, abandonado]

Sei que você vai ficar bem
e toda dor há de ser extinta
como por decreto —
mas se penso no que te fiz
a maré inunda o travesseiro
e ainda é fresco todo afeto.
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