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tenho pensado #7

Oie. 

Uma amiga disse pra eu parar de me desculpar por sempre estar atrasada nos envios então aceito a sina de que vou escrever quando der, já que estou sempre cheia de coisas pra fazer. Mas disso eu falo abaixo.

Escrevo essa newsletter porque quis dividir uma coisa que li com vocês e porque celebramos um ano de cartinhas inúteis. Isso certamente é bodas de alguma coisa. Aceito sugestões.

Ela é bem curtinha e dá pra ler no intervalo entre as festas. Hahahaha. Espero que gostem <3333

(esqueci onde se faz um monte de coisas por aqui mas é agora ou nunca, então fooi)

  🥂

Espero que estejam aproveitando as festas de fim de ano da melhor forma possível e que cheguem em 2020 recarregados. Não vou dizer que será fácil, os desafios não vão sumir mas a gente pode, pelo menos, se divertir no caminho. 

E, bom, é verão e o carnaval está quase chegando. 

Uma retrospectiva aí: sobre as coisas que não queremos saber mas acabamos sabendo mesmo assim.

Acabei de ler “Coisas que não quero saber”, da Deborah Levy e fiquei aqui pensando que ter gostado da forma delicada como livro desenrola sua questões fez com que todos os outros livros que estão espalhados pelos cantos (literalmente) da minha casa pareçam brutamontes demais pra ler agora. 

E então o que eu faço, pensei, com esse tanto de recesso pela frente? Já estava decidido que usaria esse tempo para ler tudo que quis e não consegui porque trabalho aula academia e vida deixam bem pouco tempo para livros longos.

Então me ocorreu o óbvio: estou tentando sistematizar meu recesso como faço com a vida em geral. 

Sendo uma pessoa que conhece a depressão com certa intimidade, organizar e sobreocupar todos os cantos da vida se tornou uma forma bem pouco sutil de lidar com isso. 

Não lidar, na verdade, domar. 

Quer dizer, nem exatamente domar, mas sentir que estou. 

O excesso de atividades, afinal, é o oposto da depressão com sua inatividade congelante.

Mas o excesso de atividades também é o oposto de ler, escrever, acordar e não fazer nada, admirar com detalhes a textura da pele de quem segue dormindo ou até mesmo poesia e carinho na barriguinha da gata que, tu sabe, a qualquer momento vai se revoltar com a situação e começar a morder tua mão (de um jeito adorável mas que, mesmo assim, dói).

E, é claro, eu estou aqui pensando sobre isso porque era um pouco sobre isso o livro que acabei de ler:

“Percebi que a pergunta que eu me fizera enquanto escrevia o livro chegava (como dizem os cirurgiões) muito perto do osso: “O que fazemos com o conhecimento com o qual não suportamos conviver? O que fazemos com as coisas que não queremos saber?

Eu não sabia como colocar meu trabalho e meus escritos no mundo. Eu não sabia como abrir a janela como uma laranja. Quando muito, a janela tinha se fechado em cima da minha língua, como uma guilhotina. Se aquela era minha realidade, eu não sabia o que fazer com ela.”

A Levy mescla, nesse relato, o processo de se tornar escritora com o processo de se tornar quem se é. Me vi na história da menina que falava muito baixo e teve que gritar pra aprender a usar sua voz natural - que é baixa (literal e metaforicamente). E me vi tanto que a resolução do livro (que, como algo que espelha a vida, é uma não-resolução) me deixou desconjuntada e quis logo emendar outro livro em cima dele para não incorrer no crime horroroso que é uma pessoa que sabe como funciona depressão começar a pensar sobre A VIDA no fim de ano. 

Repeti algumas vezes, nesse dezembro, que não estou em condições de retrospectivas. Sinto que 2019 sentou em cima de mim como a bunda de um elefante e quando levantou eu estava igual nos desenhos animados: amassada até virar uma folha de papel de mim mesma.

Não que tenha sido um ano ruim, pessoalmente sinto que 2019 é o primeiro em alguns anos que voltei a conseguir respirar sem aparelhos porque sou uma pessoa de processos demorados, como um ent (as “árvores” do Senhor dos Anéis). E neste ano finalmente consegui lidar com alguns deles e tive momentos inclusive felizes. 

(a autosurpresa QUIÇÁ RECEIO diante do relato de momentos felizes é impagável)

Mas 2019 foi o ano que mais lutei pra “amadurecer sem perder a ternura”, porque apesar de, por exemplo, as políticas sócio-ambientais do Bolsonaro serem uma coisa que eu não quero saber são algo que inevitavelmente eu fiquei sabendo e que inevitavelmente me fizeram lidar com todo um imaginário do meu passado, pelas semelhanças entre as misérias e irracionalidades impostas. Ou seja, toda essa brutalidade horrorosa que aumenta a miséria e o ódio no país me obrigou a olhar pra coisas sobre mim mesma e meu passado que eu não queria saber tinha muito tempo.

E é nesse tipo de situação desconfortável que a gente acaba virando gente, né.

Então no sentido prático em 2019 eu comecei a trabalhar num lugar legal, a estudar grego moderno com um turma maneira, fiz amizades foda, voltei a correr, celebrei 40 anos, minha geladeira queimou e um monte de outras coisas. Mas subjetivamente, puts, esse ano se desenrolou como poucos na minha vida. 

E, combinando um pouco com essa newsletter que sai de lugar nenhum e vai para lugar nenhum, talvez agora seja meu momento de aceitar que ebulição também é um tipo de movimento, né. 

Tenho impressão que meu 2020 vai ser um ano legal e sei que isso é um privilégio na atual conjuntura. Não acho que isso vai acontecer porque necessariamente vou fazer um zilhão de coisas, e pela primeira vez na vida não estou eufórica com os rituais de passagem de ano. Mas acho que eu tou num passo mais certo, mesmo.

Quero dizer, eu tou entendendo minha voz e quem sou. 

Quando eu era criança meu pai, que é diretor de teatro, sempre me dizia pra projetar e articular porque eu falava baixo e era tímida. Ele sempre dizia que parecia que eu estava pedindo desculpas. E eu estava, mesmo. Durante a adolescência isso me irritava e gritei muito para que me deixassem em paaaaaz não ia projetar porra nenhumaaaaa (adolescente, credo, rezo que não exista reencarnação porque é o pior lugar pra se estar). E foi numa citação desse livro, da Levy, que entendi o quanto meu pai queria era me guiar por um processo que é um processo de todos nós: encontrar segurança na nossa voz, em quem somos. 

“Projetar a voz não tem a ver com falar mais alto, mas com se sentir no direito de exprimir um desejo. A gente sempre hesita quando deseja alguma coisa. Nas minhas peças gosto de mostrar a hesitação em vez de escondê-la. A hesitação é diferente da pausa. É uma tentativa de barrar o desejo. Mas quando você está pronta para agarrar esse desejo e colocá-lo em palavras, você pode sussurrar que a plateia inteira vai ouvir.” 

A minha voz é normalmente baixa, meus assuntos são normalmente desinteressantes, eu sou empolgada e até meio ingênua mas tou nesse processo de projetar a voz e agarrar meus desejos (que se parecem bastante com a minha voz e não fazem muito alarde nem são grandiosos - no sentido usual de grandioso). 

É isso, rapeize. Escrevo essa newsletter fechando nosso ciclo, que começou com a primeira newsletter lá no final do ano passado. Encerramos juntos um ano difícil pacas, que não será o último difícil pacas que viveremos, mas mesmo ele teve momentos bons. Pra mim, ler os emails de vocês tá entre esses momentos.

Foi pensando nisso, na minha retrospectiva toda torta de ano que surgiu pelas mãos da Levy que, mais que nunca, me pareceu importante dividir isso que li e pensei, sobre lidar com o que não queremos saber e, nesse processo, também aprender a projetar a própria voz, sem gritar mas com a força da certeza de quem sabe o que deseja. 

E o que eu desejo pra vocês é que os seus desejos nunca os decepcionem, que vocês não sintam frio, dor ou fome e que nunca cultuem a idéia de que poderia ter sido melhor/diferente. 

Até 2020. 

Citação

Lendo esse livro lembrei do que algumas pessoas foda falaram sobre encontrar a própria voz e lidar com saber o que não queremos saber:

“A poesia não é uma liberação da emoção, mas uma fuga da emoção; não é a expressão da personalidade, mas uma fuga da personalidade. Naturalmente, porém, apenas aqueles que têm personalidade e emoções sabem o que significa querer escapar dessas coisas.” 

(Poetry is not a turning loose of emotion, but an escape from emotion; it is not the expression of personality, but an escape from personality. But, of course, only those who have personality and emotions know what it means to want to escape from these things)
T.S Elliot
-- X --
 
“O poeta se faz vidente por meio de um longo, imenso e refletido desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sentimento, de loucura; ele procura ele mesmo, ele esgota nele todos os venenos, para só guardar as quintessências.”
Arthur Rimbaud
 
-- X --
 A poet is somebody who feels, and who expresses his feeling through words.

This may sound easy. It isn’t.

A lot of people think or believe or know they feel-but that’s thinking or believing or knowing; not feeling. And poetry is feeling-not knowing or believing or thinking.

Almost anybody can learn to think or believe or know, but not a single human being can be taught to feel. Why? Because whenever you think or you believe or you know, you’re a lot of other people: but the moment you feel, you’re nobody-but-yourself.

To be nobody-but-yourself-in a world which is doing its best, night and day, to make you everybody else-means to fight the hardest battle which any human being can fight; and never stop fighting.

As for expressing nobody-but-yourself in words, that means working just a little harder than anybody who isn’t a poet can possibly imagine. Why? Because nothing is quite as easy as using words like somebody else. We all of us do exactly this nearly all of the time-and whenever we do it, we’re not poets.

If, at the end of your first ten or fifteen years of fighting and working and feeling, you find you’ve written one line of one poem, you’ll be very lucky indeed.

And so my advice to all young people who wish to become poets is: do something easy, like learning how to blow up the world-unless you’re not only willing, but glad, to feel and work and fight till you die.

Does this sound dismal? It isn’t.

It’s the most wonderful life on earth.

Or so I feel.
E. E. Cummings

Poesinha

(não tem relação com nada do que está escrito aí em cima maaaas foi a última coisa que escrevi e gostei)

Minotauro na porta da cozinha
Faz dias que chove
As roupas já tem cheiro de inverno gaúcho
Grito pra Deus
'É verão, porra!'
Mas Deus nem existe

No ballet da minha psique
O vento balança a grama
Que toca os galhos da bergamoteira
Enquanto ele desliza
Entre gatos
Frangos
Tristezas
Primeira bailarina do quintal

Sei
Já não estou lá
Hesito em abrir os olhos
Todo nosso carinho cabe
Nessa curva de BR
Memória coreografada
Numa manhã chuvosa
De segunda-feira

♩ ♪ ♫ ♬
(estou ouvindo esse disco no repeat em dezembro)
(esse também)
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