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Bom dia!

Semana passada propus um pequeno desafio aqui na newsletter e há muito tempo eu não recebia tantas respostas. Uau!

Quando escrevi sobre a lente da curiosidade na semana passada minha ideia inicial era escrever sobre diversas lentes ao longo das semanas. Com a resposta ao desafio que lancei na semana passada, porém, decidi aproveitar o insumo recebido e tornar essa escrita sobre as lentes mais espaçada.

Na newsletter de hoje, vou me concentrar em apresentar e comentar parte das respostas ao desafio.

Para quem não viu ou não lembra, o desafio da semana passada foi o seguinte:
Joana acordava todos os dias no mesmo horário.

O desafio era responder com:
  • uma versão modificada dessa frase; ou
  • mantenha essa frase intacta e acrescente uma segunda que aumente o nível de curiosidade do leitor.
O meu critério para trazer a resposta aqui para a newsletter é simples: que ela cumpra as regras do desafio.

Um último comentário antes de começar: vou falar de curiosidade a partir da minha perspectiva pessoal. Eu sou um leitor específico com bagagem e expectativas particulares, o que significa que minhas palavras não são, de forma alguma, um registro de qualquer tipo de verdade fundamental.

Pois vamos às respostas ao desafio!
Joana acordava sempre no mesmo horário, mas era a única parte do dia em que havia alguma espécie de ordem. (Célia)
Aprecio o potencial que esta frase cria. A partir dela, preciso ler mais para saber do que a autora está falando. Para eu ficar mais curioso, creio que seria bacana trazer mais especificidade para essa parte: "alguma espécie de ordem". Como escritor, imagino que a próxima frase possa especificar que espécie de ordem é essa.
Aquilo acordava Joana todos os dias no mesmo horário. (Cláudia Tavares)
Ah, a malícia do não dito! Esse é um paradoxo da literatura: quanto mais abrangentes queremos ser na nossa escrita, mais específicos e concretos precisamos atuar. "Aquilo" realmente abre espaço para o mistério, mas é tão abrangente que não me prende. Como leitor, quero pistas para participar do jogo de criação de sentidos. 
Joana acordava todos os dias no mesmo horário e por mais que gostasse da rotina, ela achava que talvez estivesse perdendo algo ao acordar no mesmo horário, nem mais cedo ou tarde. (Mahya Santana)
Que interessante, eu não me vejo curioso para saber o que acontece a seguir, porém estou aqui me perguntando quem é Joana para ter um pensamento desses. Quero conhecê-la melhor. Eu não chamaria isso de curiosidade no sentido narrativo, mas aqui antevejo uma outra lente que será útil. Contarei sobre ela nas próximas newsletters.

Um cuidado que eu teria ao escrever esse parágrafo: remover algumas palavras que acabam servindo de muleta para uma expressão mais direta. Li certa vez que o discurso de mulheres, por conta do histórico de submissão social, costuma ser marcado por esse recurso atenuante na linguagem: "eu acho que", "talvez", "quem sabe".
Joana acordava todos os dias no mesmo horário. Pois os caminhões cheios de animais barulhentos passavam por sua rua todo dia no mesmo horário. (Fernanda Gonçalves)
Aqui acho bacana observar que o texto responde o motivo de Joana acordar todos os dias no mesmo horário com um contexto bastante pontual. Percebo neste texto uma oportunidade para refletir sobre a natureza da curiosidade. Enquanto algo aberto demais não excita a curiosidade, algo fechado ou "redondo" também não.

A curiosidade nasce quando criamos margens possíveis para o pensamento, porém o que cabe nessas margens ainda está além do que conseguimos capturar.
Joana acordava todos os dias no mesmo horário. Um minuto antes do despertador, sem importar para qual horário estivesse programado. (Adriana Pires)
Neste texto, observo algo que considero valioso: há algo de único sobre o acordar da Joana. Assim como num texto anterior tive vontade de saber mais sobre ela, aqui também não tenho curiosidade narrativa, mas me pergunto por que Joana é assim.

São curiosidades diferentes. O que estou chamando de curiosidade narrativa tem a ver com querer saber o que vem pela frente. No caso de saber mais sobre a personagem, eu chamaria de curiosidade empática. E aqui, neste exemplo, pode ser uma curiosidade ontológica, de querer saber sobre a natureza das coisas.

Já que o foco aqui é a curiosidade sobre o futuro, repito: essas duas outras lentes aparecerão em mensagens vindouras.
Assim como nas 3 noites passadas, Joana acordou banhada em suor e ofegante, no exato momento em que o relógio em sua cabeceira bateu 3:37. (Alessandra Martelini)
Curiosidade tem a ver com suscitar perguntas que o leitor queira ver respondidas. No texto enviado pela Alessandra, meu eu escritor se animou para escrever respostas possíveis. Eu fiquei curioso!

Para mim, um componente que ajuda a fomentar a curiosidade neste texto é a pergunta: o que eu faria se isso acontecesse comigo? Por ser algo tão específico e incomum, porém reiterado em três dias seguidos, eu provavelmente começaria a me perguntar o porquê disso... E aí dependerá da capacidade de quem escreve sustentar o mistério.

Aliás, sobre sustentar o mistério: quando contamos histórias, não precisamos manter mistério o tempo inteiro, pois podemos cansar o leitor por falta de respostas. O jogo da curiosidade envolve dar respostas e provocar novas perguntas conforme o leitor acompanha o texto. 
Joana acordava todos os dias no mesmo horário. Embora, esse hábito, já não fizesse sentido. (Adriana Solon)
Com esse texto, minha curiosidade seria maior se houvesse um algo a mais na segunda frase – que poderia, na minha opinião, ser parte da primeira. Esse algo a mais poderia trazer um traço a mais de especificidade. Algo como "já não fizesse sentido desde que...".

Primeiras e segundas frases são muito difíceis. Elas carregam a responsabilidade de acolher e seduzir o leitor, especialmente quando não há outro motivo contribuindo para que a pessoa leia o que está escrito. 
Joana acordava. Era o mesmo horário. O dia era outro. (Louise Boeger)
Antes de comentar, quero acrescentar parte da resposta da Louise:

Uaaaaau, não podia imaginar quando comecei o exercício o quanto ele me faria pensar. Escrevi o que estimo em mais de 10 possibilidades para a frase, em que cada uma despertou uma historia completamente diferente decorrente dela: uma briga na noite anterior, a morte de alguém querido, um emprego novo, uma mudança de país, até cenários pós-apocalípticos hahaha. Minha opção final foi escolher uma frase com um número parecido de palavras/caracteres, mudando a estrutura e criando a possibilidade de infinitas interpretações.

Eu sempre digo que escrever é brincar com o texto. Eu adoro esse processo de ir e voltar, instigado pelo desafio que um texto me propõe. Por isso gosto da lentes, porque elas me direcionam a pensar especificamente sobre algo que me desafia. Neste caso, como posso produzir mais curiosidade nos meus leitores? 

Quando escrevo sem me perguntar nada sobre meu texto, apenas escrevo. E sai um texto, fim, bola pra frente. Quando me desafio, porém, abre-se um mundo à minha frente.

No texto da Louise, aprecio a maneira como a quebra produz um sentido novo mantendo quase as mesmas palavras. Embora eu pessoalmente não goste de textos baseados em frases curtas e secas (certa vez li um moço dizer que escrevia assim para que cada frase fosse um soco na cara do leitor), a terceira frase quebrou as minhas expectativas. Como assim, o dia era outro? Agora quero saber mais!
Na newsletter de hoje, comentei parte das respostas que recebi. Foram tantas, que deixarei as próximas para as newsletters vindouras!

Gostou de alguma dessas versões? Tem perguntas? O e-mail está aberto para receber suas dúvidas, sugestões, propostas etc.

Tenha uma excelente semana!

Tales do Ninho






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