Fim de ano é um mergulho no clichê ou não é relevante, pelo menos pra mim que decoro a casa e até ouço músicas temáticas. Acho que o fato de sempre ter adorado o fim de ano inclusive torna apenas óbvia minha fixação com clichês. Gosto de como se movem e de como nos afetam mas, acima de tudo, acredito que é na ruptura com o clichê que rompemos, tantas vezes, com o que realmente queremos dizer e a sinceridade me interessa demais.
Lembro que ainda tava na faculdade (ou seja, eras) quando fiquei obcecada com teorias de humor na literatura (ainda amo) e disso fui pra ironia, que tinha códigos que eu considerava tão difíceis e representativos do que eu achava que seria um olhar pós moderno. Foi nessa época que meu amigo, vamos chama-lo de Mox, me falou pela primeira vez sobre a Nova Sinceridade, do David Foster Wallace.
"A ironia, prazerosa como é, tem função exclusivamente negativa. Ela é crítica e destrutiva, serve para limpar o terreno. Certamente, era assim que os pais pós-modernos a viam. Mas é particularmente inútil quando se trata de construir algo para substituir a hipocrisia que ela desmascara. Não se engane: a ironia nos tiraniza."
(essa citação traduzida eu tirei daqui e o texto inteiro tem neste PDF em inglês)
O Adam Kelly, que é um cara que estuda isto, explica porque o Nova está ali e, pelo que eu entendi, tem muito a ver com o ideal anterior de sinceridade ter praticamente sido suplantado pela busca por autenticidade.
De toda forma, isto ampliou bastante meus interesses da época mas também mudou meu primeiro olhar para as coisas e me fez pensar diferente minha vida como um todo. Pode parecer idiota e/ou doido mas é isso mesmo.
Até então eu olhava pro pós moderno partindo de uma frase do Eco que sintetizarei porcamente como "um olhar crítico pro passado" e isso me parecia representar as angustias humanas. Por exemplo, as mulheres sempre foram o outro do homem porque ele sempre foi o narrador "neutro" de tudo e por isso agora buscamos criar este espaço de narrativa. Mas lendo sobre nova sinceridade entendi que pra além do pós moderno talvez a busca da minha geração e a minha busca, mesmo, não fosse tanto um discurso histórico verdadeiro mas o existir real.
Quero dizer, como não rola isso de verdade definitiva e única para se atingir, esta busca passa a dar lugar pra ânsia estética e humana da forma como vemos e lidamos as coisas.
O DFW fala nesse PDF que os próximos rebeldes da literatura serão anti-rebeldes que ousarão ser rejeitados e receber bocejos e acusações de sentimentalismo.
"These anti-rebels would be outdated, of course, before they even started. Dead on the page. Too sincere. Clearly repressed. Backward, quaint, naive, anachronistic. Maybe that’ll be the point. Maybe that’s why they’ll be the next real rebels. Real rebels, as far as I can see, risk disapproval."
(essaí não achei em português mas tem neste PDF em inglês)
Dito isto, volto pro fim de ano, pros enfeites de natal, pra retrospectiva, pro amor, pra morte, pro cotidiano, pros gatos tomando sol e pergunto: será que eu sou ousada o bastante pra eles?
Feito rolou com seus antecessores e possivelmente vai rolar com seus sucessores, faz alguns anos que eu venho identificando a "revolução estética" proposta pela Nova Sinceridade (um movimento que segundo a Wikipedia rola desde os anos 80 mas não é muito relevante) em canais mais mainstream de conteúdo e entretenimento, se tornando cultura de massa.
"É isso, afinal, que a TV faz: identifica, suga e então reapresenta o que imagina que a cultura americana quer ver e ouvir sobre si mesma."
(essa citação traduzida eu tirei daqui e o texto inteiro tem neste PDF em inglês)
O processo de se tornar um discurso vigente normalmente tem um problema central: superficializar um discurso com a desculpa de universalizar a compreensão (mas eu boto fé que mais porque discurso profundo não vende, mesmo - estou falando contigo, Bolsonaro).
Curiosamente (e talvez porque não seja realmente o grande discurso do momento) o primeiro exemplo que eu penso quando escrevo isso de estar no mainstream é um seriado de sci-fi do Netflix que tem o Brad Pitt como um dos produtores.
Eu ainda acho OA, criado pela Brit Marling, uma das melhores coisas que já vi pra TV. E tem uma coisa específica no seriado sobre a qual eu penso muito e que acho que sintetiza esteticamente o que eu vejo como nova sinceridade: as coreografias. Pra quem não viu, as coreografias tinham como finalidade ser a representação de uma força sobre-humana, um poder místico. E em um seriado de sci-fi do Netflix elas não tem nenhum efeito especial, são só atores fazendo coreografias não muito complexas. Isso fez toda diferença pro jeito que eu vivi esse seriado e me deixou meio que uma mensagem extra: o efeito especial é a nossa atribuição nos processos que envolvem fé.
Mas nisso de se tornar mainstream The Good Place, outro seriado do Netflix talvez seja um exemplo ainda mais doido. Visualmente muito mais próximo das produções que estamos acostumados na TV, o seriado traz como mote central, eu acredito, o questionamento do "narcisismo essencialmente vazio" e da ironia refratária que nos últimos anos talvez tenha se formalizado como nossa espinha dorsal [rip Last Psychiatrist] nas redes sociais e seus 500 tipos diferentes de stories.
Aliás, saindo um pouco da ficção e teorias eu boto fé que podemos facilmente olhar pras nossas próprias vidas e entender onde a maioria dos modelos que vinham em voga começaram a se desgastar. Por exemplo, o excesso dos reality shows ajudando a afundar de vez esse estilo fake e objetificado das vitrines das redes sociais. Ou a brutalização encabeçada por esta política do Bannon que se baseia quase unicamente em alimentar ódios e sentimentos violentos de superioridade.
Por isso tudo é que talvez neste exato momento as pessoas demonstrem um anseio tão grande por sinceridade emocional e humana (e às vezes com um discurso mais que clichê, quase infantil, do tipo que se não causa enfado, causa constrangimento - eu admito que gosto).
Por exemplo, quando comecei a ouvir rap ele era outra coisa, praticamente um manual de reforço da masculinidade, e agora lida com a complexidade de universos como depressão, afetividade, etc.
Também tem a artista Lora Mathis (que só conheci este ano) e propõe uma coisa chamada Radical Softness, em uma série de trabalhos seus. Radical Softness, segundo a mesma, "é a ideia de que dividir sem vergonha seus sentimentos é uma postura política e uma forma de combater a ideia social de que sentimentos são um sinal de fraqueza"; ou o Baco Exu do Blues quando se diz "facção carinhosa"
Além disto, este ano o stand-up Nanette fez muito sucesso e admito que pensei demais no que ele trazia. Junto com a ruptura de formato (que eu considero sincerona) vem essa retomada de discurso, de lugar de fala, etc. E daí eu fico pensando na galera que acredita que isso de nova sinceridade já é um movimento meio antiquado ou restrito ou que nunca teve toda essa relevância aí e, será que eu tou pensado errado?
De toda forma, eeeeuuuu acho que isso aí de sinceridade é uma busca muuuito presente em vários meios e que ganha uma força extra com essa necessidade crescente por sinceridade emocional. E, pra mim, isto foi resumido de maneira pungente no que diz Um Manifesto do Afro-Surreal traduzido pela Stephie Borges:
"Basta! Nós queremos sentir alguma coisa! Queremos chorar em público!"
Por fim, gostaria de explicar porque escrevi esse monte de trololó: ia falar do dia da posse (que eu acho que é uma angústia de todos nós) nesta primeira cartinha que trocamos mas aí achei importante deixar claro logo de saída a que venho pra galera não se empolgar. Hahaha. Eu venho em nome dos clichês, do afeto, das música natalinas e dos gatos tomando banho. E a sinceridade que nos obrigam os clichês, o afeto, as músicas natalinas e os gatos tomando banho é uma busca mais enfadonha que vestir qualquer roupinha blasé que eu não gosto e tenho preguiça talquei. Então é importante avisar isso nem que seja por polidez.
Como tou em busca de formatos e falas que vão na direção desta sinceridade, isto pode ser meio chato e se tu não gostar, tudo bem. Mas é o que eu tenho pra dar porque, enfim, a gente escolhe a forma de vivenciar/consumir que prefere/consegue/precisa e eu escolhi esta (ou só consigo ela, mesmo).
Quero dizer, em 2018 chorei em público (mais de uma vez) (foi horroroso, óbvio).
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