O texto do feriado de páscoa
Desde domingo passado tenho ouvido repetidamente a mesma frase. Não importa muito onde eu vá, se despedem de mim com "Feliz Páscoa".
Na vida de alguém que não tem religião ou não acredita em divindades, datas assim normalmente são conflituosas. A primeiro sentimento é que estão impondo uma fé sobre mim. Tomando por padrão que os hábitos e crenças cristãos fazem parte da vida de todos. Mas culturalmente este é um erro até compreensível. A maioria do país segue algum tipo de religião cristã. Então pelo menos para mim, isso não é tanto um incomodo.
O segundo ponto é até mais bobo, mas eu não sei como responder ou conversar sobre o assunto sem soar uma ofensivo em algum ponto. Eu não vou comer peixe nessa sexta-feira, não vou rezar e fazer orações e nem mesmo refletir sobre a paixão de cristo. Nada disso faz sentido pra mim.
É importante deixar claro aqui, que não vejo problema em quem segue essas tradições. É uma questão inteiramente pessoal de não me identificar com a religião.
Mas existe algo importante que tanto ateus quanto cristãos podem extrair de datas tradicionais como estas. Não é uma ideia inventada por mim, na verdade adquiri essa percepção quando li Religião para Ateus, de Alain de Botton.
Vou pedir licença para os cristãos que leem esta email, mas aqui é a visão de quem não acredita em deus. Não pretendo desrespeitá-los, mas provavelmente não concordam muito com o que vou dizer daqui em diante.
Religiões foram inventadas para suprir algumas necessidades humanas que, ao longo da história, tivemos dificuldade resolver por conta própria. A primeira é a necessidade de conviver em comunidade de forma pacífica, ignorando todo impulso humano violento e egoísta. A segunda são os nossos pequenos sofrimentos de desejos, fracassos e carência.
Inventamos deuses para aliviar nossas dores mais intimas .
No caso das festas e comemorações religiosas, elas devem inicialmente ter surgido para unir tribos e comunidades, trazendo estranhos e desconhecidos para cada vez mais perto. Transformar estranhos em pessoas próximas nunca foi algo fácil e tem sido parte do papel de instituições desde sempre.
Ao longo da vida, conhecemos pessoas na escola, na faculdade, no trabalho. Quando saímos da faculdade descobrimos que é cada vez mais difícil conquistar novos amigos. Se mudarmos de cidade depois de adultos, essa dificuldade fica cada ainda mais evidente.
Na fase adulta a forma mais comum de ampliar nossa comunidade, conhecer novos estranhos, é interagindo com amigos de nossos amigos.
Para quem não acredita em deus, podemos extrair das tradições religiosas o que acharmos mais interessante, sem precisarmos necessariamente nos apegar ao rito espiritual. Podemos praticar a concentração budista, as festas comunais cristãs ou até mesmo o Dia do Perdão no judaísmo, uma data onde todos se reconhecem como pecadores e pedem perdão diretamente para as pessoas que fizeram mal, tendo o dia como uma grande oportunidade redenção.
A oração repetida por todos na sinagoga deixa claro:
Nós somos culpados, traímos,
roubamos e caluniamos.
Agimos perversamente, maldosamente
presunçosamente, fomos violentos,
mentimos.
Pela tradição, aqueles que recebem o pedido de desculpas são motivados a entender a profunda sinceridade do momento.
Um simples dia como o domingo de páscoa pode servir para realizarmos jantares, convidarmos amigos e abrir portas para que amigos chamem outras pessoas. Deixar passar o simbolismo que não é importante para quem não acredita em deus e desfrutar de oportunidades valiosas e que podem melhorar nossas vidas.
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