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um fim de tarde em 2020: os ciclos completos de dia/noite e representações cotidianas dos renascimentos que vivenciamos. vida-morte-vida ☆



'agora deixa o livro
volta os olhos
para a janela
a cidade
a rua
o chão
o corpo mais próximo
tuas próprias mãos:
aí também
se lê'

(Ana Martins Marques, em "O último poema")


 

quando eu era criança, minha casa ficava na rota do aeroporto de guarulhos, e os aviões passavam em cima do nosso quintal – só que bem lá no alto. lembro que podia passar horas, de dia ou à noite, olhando eles cortarem o céu, imaginando, ‘será que quem está lá dentro está olhando para baixo? será que eles imaginam que há uma garotinha* no quintal, tentando adivinhar quem está lá? será uma executiva fechando grandes negócios? um pai de família? para onde vão? ou de onde vêm?…’ . eu ficava lá, criando histórias, por horas – quem estava indo, para onde, porquê. na imensidão do céu cabia toda a minha imaginação, e tudo o que ela era capaz de criar.

talvez tenha vindo daí minha fascinação por viagens e aviões, também. porque hoje sou eu naquela janela atravessando as nuvens, fitando lá embaixo. haverá uma garotinha num quintal olhando para cima, sonhando com outras vidas? e se houver, estará pensando em mim?


_____


eu me lembrei dessa história porque foi o céu que inspirou a criação do ponto da última estação, o verão. 

mais sobre o que derivou desta observação aqui: verão: ponto de vista.

_____


na quinta-feira devo (finalmente!) me vacinar aqui em são paulo (pelo menos é o que diz o calendário oficial ;), e o sentimento é agridoce: uma alegria com a chegada de uma coisa tão aguardada por tanto tempo, misturada com a dor dos quase 550 mil mortos no país, da tristeza de reconhecer quantos sonharam com isso mas não tiveram a mesma chance de tomá-la a tempo, quantas vidas ainda serão perdidas sem que se alcance todos. comemorar não parece justo, mas honrar a ciência e o SUS, sim: quando chegar o seu dia, não perca essa chance. por você, pelos seus, por quem sobreviveu e merece continuar vivendo, e por todos os que já se foram, de forma criminosa e deliberada.


obrigada por ter seguido comigo até aqui ღ 
e até semana que vem!

um forte abraço,
com amor




*pode parecer que estou apenas reinventando o passado, mas me lembro de pensar exatamente assim! em ser apenas uma garotinha olhando pra cima imaginando outras vidas, questionando se alguém olhava pra baixo e me enxergava (o que mais tarde entendi ser impossível, tamanha a distância :)
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