Mais nenhum ser vivo é forçado a aprender trigonometria, mas suspeito que muitos tenham alguma forma de consciência, ainda que não façam contas de cabeça; e quando vistos como parte integrante de uma enorme rede bioquímica, de uma complexidade que excede a de qualquer concepção nossa, pergunto-me se somos sequer seres, ou se somos apenas célula, parte de um ser ou consciência maior, uma breve sinapse na enorme mente que é a vida neste planeta.
Mas mesmo isto, para o cosmologista impiedoso, não vai em contrário de que tudo está, sempre esteve, e sempre estará, pré-determinado. Tudo aquilo que achamos ser inovador, estava na verdade já previsto, a soma de tudo o que a esse momento levou. As possibilidades de divergência do destino que nos foi incumbido desde o nascer violento da realidade parecem ser nulas, e as forças que o movem, irresistíveis. Não temos poder. Mas - e então? Sou apenas uma consequência, um produto, um autómato do destino? Provavelmente. E então? Quer um gato ser mais do que um gato? Não estará perfeitamente satisfeito sendo um gato, condenado a ser fofo, receber festas constantes, fazer sestas entre sestas e regalar-se em cada pequena nesga de sol? Porque raio é que meti na cabeça que tinha de ser mais do que isso, que tinha de ser mais do que uma coisa no mundo?
Entre determinismo e livre-arbítrio, estou inclinado a acreditar num espaço intermédio. Por alguma razão os meus avós estão juntos há tanto tempo, encontrando no duelo e no diálogo uma medida de estabilidade, porque nem um nem o outro são donos da razão. E há espaço para os dois.
Ilusão ou não, quero coisas, de onde quer que venha esse querer. Crio coisas, mesmo que a minha mão seja mero agente do inevitável. Descubro coisas, mesmo que elas tenham sempre lá estado. Escolho coisas, mesmo que a escolha já esteja tomada de antemão. Se é tudo um teatro, representando o papel que o cosmos, por acaso ou por desígnio (que no fim vai dar ao mesmo) nos atribui, então tenho gosto em estar em palco. E se, no meio disto tudo, somos livres ou não, que tratem os filósofos; tenho, pelo menos, a liberdade para me deixar ou não embrenhar. Porque felizmente, quis o destino que eu fosse artista, e a ilusão o meu ofício.