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#descrição: Topo da newsletter com fundo vermelho escrito no centro "@milamesmo" em letras brancas com traços finos. Logo abaixo, está escrito "newsletter" em letras pretas.
O mês quase acabando, papai noel já desponta no horizonte, imaginando botar aquela roupa quente vermelha, mas cá estou com a 13ª edição. Primeiro, preciso contar que serei uma speaker no Tedx Rio Vermelho esse ano! Eu tô muito feliz com o que vi lá, como ele está sendo construído e quem quiser conferir, o evento será online e os ingressos já estão à venda nesse link aqui.
Nessa edição trago um texto sobre moda (sim?) e um poema escrito por Ana Raquel, psicóloga, cearense, mulher com deficiência visual. Ana virou uma grande amiga nesses meses, depois de nos conhecermos no Coletivo Feminista Helen Keller e ter sua poesia aqui nessa edição é uma honra muito grande. Eu sempre adoro a forma como Ana usa as palavras tão bem, seja tecendo poesia ou acolhendo uma de nós. 
Espero que gostem dessa edição e até a próxima!
#descrição: Separador de texto com a ilustração de um biquíni em traços simples ao centro, com uma fileira de bolinhas no lado direito e outra fileira de bolinhas no lado esquerdo.
Falar de moda nem é muito minha praia, mas uma série de eventos me levou a pensar um pouco sobre como me visto. Não me considero a pessoa mais estilosa do mundo, minhas roupas preferidas foram presenteadas por minha irmã mais velha ou minha mãe. Meu corpo já mudou muito, especialmente pela história da minha coluna que contei na edição passada e meu estilo falhou miseravelmente na tentativa de acompanhar essas mudanças. Eu gosto mesmo é de comprar biquíni, como todo mundo já sabe. Talvez porque - olha aí um clichê fashion - menos seja mais, mesmo.

O primeiro evento da série foi justamente ter publicado o texto sobre a cirurgia e as respostas que recebi, na última edição desta newsletter. Recebi respostas de pessoas que não tem necessariamente uma deficiência, mas passaram por alguma grande mudança, seja por gravidez ou transição de gênero, e que disseram que se viram um pouco no que escrevi. Elas, assim como eu, foram apresentadas a si mesmas no espelho, quando achavam que já conheciam aquele alguém que, na verdade, mudava um pouco a cada dia.

Lembro que nos meses após a cirurgia, fiz terapia em casa, em frente ao espelho. Minha psicóloga viu a necessidade de usar aquele momento para, juntas, falarmos desse novo corpo. Isso incluía ter que apresentá-lo a outras pessoas. E uma das formas que temos de nos apresentar ao mundo é justamente pela forma como nos vestimos, ainda que não sejamos muito ligados nisso. Sabe aquela história de que é impossível não se comunicar? Não se ligar à moda já é suficiente para passar alguma mensagem. De que forma as cores que escolhemos (ou não), os estilos, o que decidimos cobrir e o que decidimos mostrar depõe sobre nós? 

Quando se trata de corpos fora do padrão, no entanto, essas escolhas não são tão livres assim. A começar, pela dificuldade que temos em encontrar corpos como os nossos retratados em ensaios das revistas, sites de venda online, propagandas. Mais que o lance da representatividade que a gente já está cansado de saber o quanto é importante, adivinhar como um tecido vai ter caimento no meu corpo numa cadeira de rodas é algo que eu não consigo fazer, se as fotos só mostrarem modelos magras, retas e em pé. 

Esses dias aproveitei um biscoito do twitter para provar meu ponto, viralizou até. O vestido que comprei se mostrou com uma fenda bem maior do que a esperada, quando saí da minha cama, onde me vestem, para a cadeira. Eu saberia bem como a fenda se comportaria se, dentre as fotos do vestido na loja online, aparecesse uma com a modelo sentada em algum lugar. Eu poderia até escolher aquela fenda mesmo assim, mas estaria avisada. 

Como a foto rodou o site e teve mais de 60 mil curtidas, chegaram alguns estudantes de design e de moda, para falar comigo dizendo que curtiram minha ponderação e queriam fazer algum projeto/tcc sobre o tema. Chegou até uma pessoa se intitulando de uma grande marca querendo que eu listasse todos os problemas que tenho com o quesito roupa. A vontade era perguntar “quanto tempo você tem e quanto tempo você acha que eu tenho?” 

Não me entendam mal, eu costumo ajudar todo mundo que vem até mim fazendo perguntas desse tipo, seja relacionado à moda, tecnologia assistiva, design, etc. É algo frequente. Mas tem realmente me frustrado o quanto nós, pessoas com deficiência, há anos estamos respondendo às mesmas perguntas sem receber em troca qualquer tipo de contrapartida. Detalhando problemas, fazendo lista, apontando o que pode mudar. Nunca chega até mim o resultado desses trabalhos, muito menos vejo-os sendo lançados no mercado de forma a nos auxiliar. Para piorar, não vejo sequer as perguntas ficando mais complexas, demonstrando que estão estudando um pouco antes de nos procurar. É como se esperassem que nós tivéssemos que fazer boa parte do trabalho de pesquisa, ajudando até a elaborar as questões, porque devemos ficar agradecidos por alguém, finalmente, olhar para esse público. 

Como se existe um mundo paralelo sendo tecido para pessoas com deficiência viverem melhor, só que no futuro. Como num exercício para construir alguma realidade que acontece daqui há muitos anos, mais evoluída. Como num filme de ficção científica com tecidos mais tecnológicos e ideias geniais (ou mirabolantes) que nunca saem do papel. Acaba sendo um trabalho meio solitário, como se eu fosse uma espécie de guru que vive numa montanha, e que, de tempos em tempos, é instado a responder umas perguntas e continua lá isolado em sua contemplação, sem saber se a pessoa seguiu, afinal, seu conselho ou não. E isso não vale só para moda. 

Para além de questões de estilo, com as quais, vira e mexe, me debato, pois vejo meu corpo mudando, há várias barreiras físicas entre mim e a forma como eu gostaria de me vestir. A pandemia poderia ter sido uma grande oportunidade para revermos algumas coisas sobre compra em loja física, como a possibilidade de experimentarmos em casa, por exemplo, que muito ajudaria pessoas como eu que, na maioria das vezes, sequer cabe num provador.

Esses dias estive em busca de uma roupa para um evento e entrei pela primeira vez desde março de 2020 em um shopping. Rodei cada loja que pudesse ter, minimamente o que eu procurava e só nas de departamento achei um provador que me coubesse. Nenhum com maca onde eu pudesse deitar, que é como eu geralmente me visto, como eu já vi em outros países. Em alguns desses provadores, só tem a conta certa de passar com cadeira e mais nenhum espaço dentro pra alguém que precisa me ajudar a me vestir. Para resolver essa falta, não há qualquer chance de negociar que eu leve a roupa para casa e devolva, caso não sirva depois que eu consiga experimentar corretamente, com uma forma de caução que fosse, porque entendo os riscos. 

A frustração vai apertando mais a cada minuto, e é até difícil reclamar sobre. Até porque, apesar de roupa ser algo tão presente no nosso dia-a-dia, ainda me sinto pouco à vontade de reclamar justamente em tempos com tantas coisas erradas: direitos sendo desmontados, necessidades básicas não sendo atendidas, esquecimentos de toda sorte, invisibilidade em todas as esferas. Tanto que segurei essa postagem, esperando me sentir um pouco mais legitimada, talvez, a reclamar. Uma espécie de armadilha justamente daquele pensamento que falei lá em cima, de que precisamos estar num tempo futuro mais tranquilo, que nos permita, só assim, pedir coisas consideradas mais “superficiais”.

Foi quando parei para ver o Volume 3 do Savage X Fenty Show, o desfile-espetáculo da marca de lingerie de Rihanna, minha musa. A forma como ela encontrou na moda uma forma de se expressar e trazer tanta representatividade para corpos geralmente esquecidos na indústria, especialmente em se tratando de looks tão sexy, me lembrou que nunca é “só uma roupa”. 

Enquanto desfilavam modelos trans, gordas, amputadas, drag queens, eu via que pode haver, sim, um espaço para todos na moda. Mas esse espaço não vai se abrir enquanto for encarado pela lente insistente da caridade, muito menos como algo que mora só no futuro.  Fiquei me perguntando se, em 2012, quando Rihanna cantava no desfile da Victoria’s Secret, outra marca de lingerie cheia de modelos dentro do padrão, ela pensava num futuro no qual ela pudesse incluir outras pessoas e tornar tudo muito mais bonito do que ela via ali. 

Não vou mentir, ainda sinto falta de modelos cadeirantes nos desfiles da Savage X Fenty. (Talvez ela esteja esperando me conhecer e vocês tenham que fazer esse texto chegar nela). Mas já sinto como se pessoas com corpos diversos fizessem parte do presente da moda, não relegadas a um porvir que nunca chega. Enquanto via aquelas pessoas tão diferentes, mas atuando igual, dançando e desfilando como uma só, pensei que transformar qualquer coisa se dá através de um movimento que tem várias camadas, que depende de várias etapas, como uma reação em cadeia. E que não precisa ser uma Rihanna para impulsionar uma mudança na indústria da moda no que diz respeito à valorização de todos os corpos. 

Dá para começar com cada estudante de moda ou design que tem vontade de desenhar roupas e outros objetos mais acessíveis, sendo mais preocupado em se preparar, como faria com qualquer outro assunto. Também com as marcas que passassem a produzir essas peças escutando o público-alvo consumidor, mas nos vendo como igualmente merecedoras de fazer algo tão básico quanto se vestir e não nos tratando como um tipo de gente diferente que tem necessidades muito específicas. Enxergando que não precisa ser nada revolucionário e caro para atender nossas vontades. Roupas mais leves, tecidos mais inteligentes que esquentam/esfriam, botões mais fáceis, mais opções de tamanho e versatilidade em combinar beneficiaram a todos, por que quando ganham o selo de moda “acessível” se tornam justamente o oposto? Mais caro, distante, desigual, separado?

Como boa parte das coisas relacionadas à deficiência, ajudaria simplesmente parar de nos ver como um tipo à parte de gente. Como se não fôssemos desfilar looks no mesmo mundo que todas as outras pessoas. Como se qualquer coisa que pedíssemos, só nos dissesse respeito. Empurrando sempre a responsabilidade de impulsionar as mudanças para nós, que já lidamos com meio mundo de coisas que quem não tem deficiência sequer imagina. Das grandes redes às lojinhas pequenas do bairro, dá para equilibrar expectativas x possibilidades e impulsionar mudanças aqui e ali, equivalentes a seu tamanho. De uma rampa que se exige numa loja de rua, mesmo sem ser uma pessoa com deficiência, a dar preferência por marcas com modelos de diferentes corpos entre seu casting, há muito o que cada um pode fazer para transformar a moda em uma fonte de expressão que realmente funciona para todos. Sem esperar virar uma Rihanna para isso. 

 
#descrição: Separador de texto com uma ilustração de ondas em traços simples ao centro, com uma fileira de bolinhas no lado direito e outra fileira de bolinhas no lado esquerdo.
Uma réstia

Não é a lucidez,
Nem as evidências.
O que estava em jogo era o resíduo,
Esse quase nada que é o todo do meu enxergar.
Mão é o ponto de vista, 
Nem a ótica, o ângulo, a perspectiva.
É talvez um pôr-do-sol,
Um luar, 
Um esmalte de unha,
Uma cor de mar que diz que estou em casa.
A cada cirurgia,
Aquele medo,
Aquela culpa por ter medo,
Aquela certeza que a vida segue,
Mesmo que não a minha,
Ou mesmo a minha sega.
Cada a-cor-dar após anestesia,
Minha mãe aflita querendo me dar de novo e de novo a luz,
O branco florescente invadindo a fragilidade do órgão manipulado.
Meus ouvidos escancarados,
Olfato e tato ousados e atentos.
Mas essa fresta por onde passa a luz,
Essa que se fecha apesar,
Às vezes me mostra atalhos,
Às vezes esconde a verdade,
Geralmente revela a escuridão.


                                                   Ana Raquel Holanda
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