Meus caros, há coisa de mês e meio, pela primeira vez em mais de meio ano, a minha newsletter atrasou-se (e desde então nunca mais saiu a tempo): estive com um febrão terrível graças à vacina do Covid-19. Já não alucinava assim desde a infame gastroenterite de 2008, onde, com quase 43 graus de febre vi, como se de carne e osso, um guerreiro tribal africano, de olhar assassino e lança em punho, coberto de suor, aos pés da minha cama. Tinha lido “As Minas de Salomão” pouco tempo antes.
Todos sabem que tenho um portfólio diversificado de patologias, como qualquer pessoa saudável - um bife de azelhice, numa caminha de depressão, servido com uma redução de procrastinismo caramelizado, regado de surtos de euforia, e acompanhado com tagarelismo excessivo e batatinhas. No entanto, há uma que me aflige mais do que todas as outras, e parece até ser hereditária: a mania das doenças.
Uma vez julguei que tinha um aneurisma, por estar a sangrar da orelha esquerda. Cinco horas mais tarde, nas urgências de Santa Maria, um médico ensonado descobre, para minha eterna vergonha, que se tratava apenas de um arranhão. Outra vez, liguei para a minha mãe a meio da noite a achar que estava a ter um enfarte - tratava-se de azia. Caros leitores, e pessoas para quem esta newsletter é um adorno para a caixa do Spam, tenho uma confissão a fazer-vos: estou doente, com um caso fatal de hipocondria. E para esta, infelizmente, ainda não há vacina.
Parece inofensiva, mas não é: tem o potencial de nos estragar a vida toda. A mente sã, quando deparada com uma ligeira dor de dentes, deixa que passe, ou toma um ben-u-ron. Eu fico dois dias sem dormir, a acreditar fervorosamente que estou com um cancro nas gengivas, e que estou já pejado de metástases até ao mindinho. Culpo em partes iguais: a televisão e internet; as histórias de terror que uma família de farmacêuticos, com amigos médicos, proporciona; o fatalismo tragi-cómico da sociedade portuguesa. Mas distribuídas as culpas, sobra ainda a minha própria parvoíce, que como bem sabem, é inegável.
Este último ano e meio foi repleto de dualidades. Para ser sincero, a pandemia mundial ajudou-me a não pensar tanto em doenças. Decidi fazer o que podia: comer melhor, largar os cigarros (se bem que ainda tenho o electrónico) e fazer desporto com regularidade. Consegui. Ganhei também uma consciência diária de que vou morrer. Todos o sabemos, mas temos algum mecanismo interno de negação que nos permite viver a nossa vida sem estar constantemente a espumar da boca e a berrar algo como: vamos todos morrer! eu vou morrer! tu vais morrer! AARRGHH!!!
Não é agradável.