Os hammans no Império Mughal, Índia
Ana Lucia Vieira dos Santos
Escola de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal Fluminense
A campanha de obras promovida por Babur tão logo iniciou seu governo na Índia em 1526 incluiu dois programas ligados ao bem estar físico e lazer: os jardins e os banhos. Segundo ele escreveu em suas memórias, os banhos eram o melhor meio de remover três grandes inconvenientes: o calor, a poeira e os efeitos dos ventos quentes. Diz-se que Babur gastava cerca de uma hora para banhar-se e vestir-se, e que em suas viagens e campanhas levava uma banheira portátil sobre um elefante para servi-lo. Os hammams foram considerados tão importantes como as madrasas e bazares, e associavam-se a jardins e mesquitas. A água tem uma importância vital na arquitetura muçulmana, atendendo não só a necessidades básicas da vida cotidiana, mas também a funções estéticas, simbólicas e de controle das condições ambientais.
Os edifícios destinados à higiene e cuidados corporais tiveram sua origem em Roma, e se expandiram por todos os territórios conquistados por seus exércitos. Com a queda do império romano, o hábito de frequentar banhos públicos caiu em desuso em muito lugares, e grande parte dos edifícios com este fim se arruinou. O advento do Islamismo trouxe nova importância à limpeza corporal. As lavagens rituais preconizadas nos textos sagrados do Islã levaram à necessidade de outra vez se produzirem espaços adequados a estas atividades. Para o Islã o banho é privado e segregado por gênero, não devendo ter lugar em rios ou lagos. Os banhos islâmicos inicialmente retêm do modelo romano a tríade frigidarium, tepidarium, caldarium, sendo introduzido o uso de água corrente no frigidarium por razões religiosas. As salas são ligadas por corredores, e muitas vezes são hexagonais ou octogonais. Não há janelas para o exterior, e a iluminação e ventilação são feitas por óculos nas abóbadas (Fig. 1). A semi-escuridão contribui para tornar o edifício mais fresco. Na era mughal o esquema funcional evoluiu para três unidades: um vestiário ou rakht kan, a câmara fria ou sard khana, e a câmara quente ou garam khana. Os interiores eram estucados e pintados (Fig. 2), com fontes que aspergiam água amenizando o calor, e tanques para banhos frios no verão e quentes no inverno. A água que servia os hammams era perfumada com óleos aromáticos em tanques que faziam parte do sistema de distribuição.
Em Fatehpur Sikri, cidade construída por Akbar por volta de 1570, a água percorria um intrincado caminho de torres elevatórias, cisternas e aquedutos até chegar aos diversos edifícios e jardins do palácio. Os mecanismos de recalque de água eram movidos a força humana, e muitas vezes o líquido era simplesmente carregado de um ponto a outro em sacos de couro. O maior conjunto de hammans da era mughal sobrevive no palácio, graças à qualidade de sua construção, apropriada para resistir ao uso da água.
O Hammam de Hakim ou Khaas Hammam ocupa uma área de 8.190 m2, e provavelmente era parte do Haram Sara, setor do palácio destinado às mulheres. É um edifício coberto por domos, com entrada lateral, com diversos cômodos para banhos e massagens. Abaixo dos cômodos um sistema de hipocaustos conectados e alimentados por uma fornalha permitia a calefação nos períodos frios. A sala central ainda mantém a decoração em estuque polido e sgraffito, com temática geométrica e detalhes em pintura dourada.
O Hammam da Sultana Turca ou Shahi Hammam era possivelmente de uso privado do imperador. A sala principal é hexagonal e destinada aos banhos frios, com água aromatizada. O hammam era mais que um local de higiene e lazer para Akbar: ele ali recebia delegados e tinha reuniões importantes. As paredes são estucadas em vermelho, amarelo e preto esverdeado sobre fundo branco, e os tetos são decorados em padrões geométricos.
Os hammams reais do império mughal eram locais de luxo e conforto, adaptados aos extremos climáticos da região, e que proporcionavam espaços privados tanto para a higiene pessoal quanto para a convivência e lazer.
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