Quando eu era menino, viajava nas férias de julho para a fazenda de meus avós, a escritora Rachel de Queiroz e seu marido, meu querido avô Oyama de Macedo. Era a Fazenda Não Me Deixes, no sertão do Ceará, perto da cidade de Quixadá. Essa viagens incutiram em mim lembranças de sertanejo, que carrego até hoje.
Em uma dessas idas, lembro que fomos de Electra, o turbo hélice da Lockheed, que faria fama como longevo titular da ponte aérea Rio-São Paulo, mantido na rota até 1991. O voo escalava em Recife, onde os passageiros desciam por meia-hora. Não havia fingers e ao chegarmos à porta do avião vi que ao pé da escada nos esperava um homem cuja roupa me chamou a atenção. Não era pobre mas vestia roupa de sertanejo, camisa de corte reto de algodão, calças largas do mesmo corte e sandália de rabicho. Era a roupa que caboclos sertanejos vestiam em dia de festa e que eu via pela primeira vez em um homem da elite. Era Ariano Suassuna, que vinha aproveitar a escala para beijar a mão da madrinha.
Minha avó depois me contou que adorava o mentiroso de uma de suas estórias, um tal de Chicó, que tanto se parecia com os caboclos contadores de casos que víamos passar na Fazenda. Toda noite, após o jantar, ficávamos na rede do alpendre ouvindo casos de onça e de assombração contados pelos moradores que vinham à noite tomar café com bolo na casa da Fazenda.
O sertanejo tem um pendor pela mentira bem contada. Arrisco que em parte é fruto de suas andanças solitárias a cavalo pela caatinga atrás de gado. Em parte, vem de suas caminhadas na noite escura pelas matas, na volta à casa. Caminhar pelo mato escuro dá asas à imaginação.
As onças, hoje desaparecidas, eram a ameaça real ao caminhante noturno. A alma penada, o Mapinguari, o Saci, eram no que a imaginação e o passado de índio transformavam um barulho de um bicho noturno qualquer se arrastando pelo mato.
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