Eclipses contraditórios
Os povos antigos tinham medo de quando o dia virava noite, mesmo que por alguns minutos ou horas. Os animais diurnos se entocavam, os noturnos apareciam meio desnorteados. Tudo saía do lugar.
Assim como nos eclipses e nas fotografias, a vida é um eterno jogo de luz e de sombras. Eu mesma vivo lutando contra as minhas. Embora muitas vezes eu me debata para transparecer apenas luz, as sombras existem em igual proporção. É na escrita que eu desaguo.
Acho que os últimos três anos funcionaram como um momento de troca de pele. Fiquei imóvel, sentindo a minha alma crescer, até que minha superfície começasse a se romper. Agora, recomeço a minha caminhada deixando a carcaça velha para trás.
É estranho andar com uma pele nova. É um estranhamento bom, daqueles que trazem um frio na barriga. Observo o que não me serve mais ganhando distância, meu eu finalmente conseguindo organizar os sentimentos para seguir adiante.
É claro que não abandono tudo. O DNA está na essência. Também é claro que esta nova jornada ainda precisa de ajustes. Todo corpo quando muda deixa o seu dono um pouco destrambelhado no começo — comigo não seria diferente. É preciso dosar a força, a coragem, até mesmo a gentileza. O que é meu e o que é do outro? — essa é uma pergunta que tenho feito à exaustão. Cansei de tentar de resolver os problemas dos outros. Como alguém que tem muito Sagitário no mapa, sou filha de Júpiter, mas tenho que internalizar que não sou Zeus. Não posso assumir as responsabilidades alheias. Não tenho o poder de sumir com todos os problemas do mundo. Não sou perfeitinha, embora complicada. Personifico a potência e a fragilidade, apontadas por Clarice.
Assim como os antigos usavam os eclipses para tentar apreender as grandes transformações de suas comunidades, eu tento estudar os arquétipos para me compreender. Como virginiana que sou, penso demais. Busco tudo o que pode dar errado, tento minimizar os danos antes que eles sonhem em se materializar na minha frente. Às vezes isso me ajuda muito, mas às vezes é só mais um grande pé no freio, que se traduz em eu não sair do lugar — o medo é um exímio paralisante. Por vezes, o pensamento excessivo (e acelerado) é mais forte do que o fogo sagitariano e não me permite me jogar. Sou contradições.
Se precaver é tentar ter certeza, é a busca por não errar, por não se arrepender. É ficar acostumada com aquela falsa sensação de quem quase nunca erra. Entretanto, refletir me fez viver o que aprendi com meu professor de literatura portuguesa: “quase é uma palavra desgraçada”. Para mim, pior do que estar errada é ser injusta.
Essa troca de peles envolveu reconhecer a humanidade que habita em mim, no outro, em todos nós. Pedir desculpas, ser perdoada, perdoar os outros e, sobretudo, a mim mesma. Nada fácil, mas, necessário. Muito necessário.
Trocar de pele também exige paciência para curar as feridas. É no passar do tempo que eu encontro a força e, sobretudo, beleza. Ambas coexistem em minha vulnerabilidade.