Uma reflexão tardia sobre as mídias digitais

Toda inovação traz consigo consequências positivas e negativas para a sociedade,  por isso é necessário que haja uma reflexão crítica sobre os efeitos de cada inovação em nosso meio, em especial sobre aquela que se mostra como a mais atual e influente em nossa sociedade: a revolução digital.

A revolução digital se manifesta em uma velocidade absurda, os desafios com que nos deparamos nesse contexto são extremamente diferentes dos enfrentados a 20 anos atrás, o que faz com que muitas pessoas tenham o contato com as novas tecnologias antes que se desenvolva uma análise crítica sobre seus efeitos.

Ao observar as consequências do uso desregrado das mídias sociais podemos perceber que fomos pegos com a guarda baixa e acabamos por nos moldar aos padrões deste século digital, abandonando características fundamentais para a vivência cristã a medida em que desenvolvemos uma identidade digital criada segunda nossa própria vontade.  

A Identidade cristã

Para entendermos como as mídias influenciam a identidade Cristã, precisamos antes definir características que definem essa identidade. Nesse momento defenderemos três aspectos que são cruciais para a vivência cristã: A vida em comunidade, a submissão a  Palavra de Deus e sua vivência cúltica.

A vida em comunidade é apresentada tanto na revelação bíblica, como no desenvolvimento histórico da igreja. Deus chama para si um povo, cada um dos seus eleitos é convocado a viver em comunidade, lidando com o outro, sendo lapidado por suas vivências coletivas e cooperando para um serviço comunitário. Não existe identidade cristã sem uma vida comunitária.

A identidade cristã também é marcada por sua sujeição ao evangelho. Cada cristão deve reconhecer a autoridade de Deus e obedecer a suas ordenanças, assim um cristão se desenvolve por meio da obediência, lidando com as consequências de suas falhas e entendendo o valor de sua redenção. Não existe identidade cristã sem a submissão ao evangelho.

Por fim precisamos falar do caráter cúltico da identidade cristã, afinal todo Homem é chamado para cultuar o Senhor. Todo Homem de alguma forma exerce culto a algo. Todos os homens cultuam por meio de suas liturgias diárias, do escovar os dentes ao deitar-se na cama, assim como, em especial, cultuam em comunidade. Não existe identidade Cristã sem o culto.

A Influência midiática

O uso das mídias digitais afeta diretamente a vivência comunitária do indivíduo. Percebesse que esses meios, no afã de alcançarem proximidade, distanciam  cada vez mais os indivíduos, isolando-os em meio aos seus iguais e contribuindo para o processo de polarização. Os próprios algoritmos dessas mídias contribuem para que o usuário tenha acesso apenas ao conteúdo que lhe agrada, afastando-o do diálogo com pessoas de opiniões diferentes, e solidificando posições cada vez mais extremadas.

Outro ponto importante a se ressaltar é que as identidades digitais têm como base a vontade do usuário e não a realidade, deste modo os relacionamentos digitais não preparam o indivíduo para lidar com pessoas imperfeitas que apresentam uma série de dificuldades, se mostrando então como superficiais e insuficientes.

A obediência cristã ao evangelho também é afetada pelas mídias. As mídias digitais favorecem o anonimato, por isso muitos expressam seus mais depravados desejos protegidos pela crença de que nunca serão descobertos. Esse ambiente solidifica no usuário a ideia de que ele pode esconder seus pecados e saciar seus desejos por meio de perfis fakes, afastando-o do respeito às leis e anulando a crença de que suas ações terão consequências.

As influências digitais alcançam até mesmo o culto cristão, pois elas mesmas se tornam objeto de culto. Todo culto se desenvolve em meio a liturgias e as mídias digitais têm se tornado cada vez mais presentes em nossas liturgias diárias. Sabemos que todas as nossas liturgias, tudo o que fazemos, devem culminar para a glória de Deus, mas as mídias digitais nos direcionam a desenvolver nossas liturgias visando a glória de nossa própria identidade digital.

Redimindo as mídias.

Não podemos dizer que as mídias digitais são de todo o mal, elas não são! As inovações tecnológicas trazem consigo a beleza e a bondade que Deus proferiu sobre a criação. Sabemos que as mídias digitais são manchadas pelo pecado, por  como toda a criação e como não podemos nos excluir da criação também não podemos nos excluir dos ambientes digitais.

Cabe ao cristão interagir em suas mídias digitais, compreendendo as influências negativas que elas exercem e pautando sua ação por sua cosmovisão cristã. isso significa que o cristão deve sim interagir em comunidades digitais, mantendo é claro a primazia dos relacionamentos presenciais e a necessidade de se moldar pelo contato com o diferente e imperfeito que só se encontra na vida real.

A Ação cristã deve ser pautada pelo evangelho, deste modo o anonimato experimentado nos mais diversos ambientes digitais não deve estimular a desobediência. É justamente pela obediência em ambientes de anonimato que cristãos declaram sua fé e dão testemunho do seu Senhor.

Por fim ressaltamos que a identidade digital não pode receber a glória que é por direito de Deus. Toda a vida cristã deve culminar no culto à Divindade e por isso a identidade Digital não deve receber culto, pelo contrário, deve servir e cultuar ao Senhor expressando a vida cúltica do seu usuário.

“Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre. Amém!” inclusive as mídias digitais. Rm 11.36

João Antonio