Um congresso das comunicações sem as comunicações
O congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC) teve este ano a sua 30.ª edição. É o momento mais importante do ano para o setor, pois reúne no mesmo espaço os decisores políticos e gestores de uma importante “fatia” do Produto Interno Bruto português.
Por exemplo, em setembro de 2017, somente um dia depois do fim da iniciativa, Nos e Vodafone anunciaram um acordo histórico de partilha de torres de telecomunicações e fibra ótica. A sugestão tinha sido feita no congresso pelo presidente da Anacom, João Cadete de Matos, numa altura em que a crispação nas telecomunicações era significativamente menor.
Nós, jornalistas, também vemos o congresso da APDC como um evento de interesse público. Ocasião para entrevistas de fundo, declarações recolhidas à margem e notícias cuidadosamente guardadas pelos protagonistas e só divulgadas no decurso do congresso.
O painel do Estado da Nação das Comunicações é o seu apogeu. A única ocasião em que os líderes da Meo, Nos e Vodafone aceitam debater o estado do setor das telecomunicações em público – e sob a batuta de um jornalista devidamente credenciado.
Dado o contexto, chegamos a 2021. Provavelmente, o ano mais importante para o setor das comunicações.
Os dois confinamentos pesaram muito na economia, mas só as infraestruturas de comunicações eletrónicas a ampararam, possibilitando a adoção em massa do teletrabalho e do ensino à distância. Num período em que a ordem foi “fique em casa”, muitos portugueses, discutivelmente mais privilegiados, respeitaram-na sem nunca terem de parar de trabalhar.
Entretanto, o país está muito perto de virar a página do 4G, lançando o 5G para a próxima década. Há um leilão de frequências em curso, uma Anacom que o quer acelerar, um Governo que a contraria e diz que está tudo bem, e as operadoras, que têm tentado anular o procedimento na justiça, já participaram em mais de 80 dias de licitações, que evoluem a passo de caracol.
Notório é ainda o facto de o país estar a ficar para trás, um atraso que agora é gritante: só há três países que não têm 5G na União Europeia e Portugal é um deles. Uma nação que todos reconheciam como pioneira na adoção de novas tecnologias vai irremediavelmente ficar marcada por este facto histórico, já para não falar das graves consequências que isso poderá ter ao nível da nossa competitividade.
E o que é que se disse sobre tudo isto no congresso da APDC deste ano, o momento alto das comunicações, a “reunião magna” do setor, como tanto gosta de apelidar o Presidente da República? Muito pouco.
A organização decidiu adiar para data “a definir” o principal painel da iniciativa, justificando a decisão com o leilão que está em curso. Como se não fosse este o momento para debater o problema, por muito incómodo que pudesse ser para Alexandre Fonseca, Miguel Almeida e Mário Vaz.
Mas, além das operadoras, nem uma palavra do presidente da Anacom, figura incontornável nestes congressos. Os principais decisores presentes foram os membros do Governo, expondo apenas um dos lados do triângulo em que se estão a desenvolver estes temas.
O 30.º congresso da APDC vai ficar marcado como uma oportunidade perdida para se discutir, verdadeiramente, os principais assuntos do setor para o país. De nada vale continuar a falar das potencialidades da tecnologia e de como a aproveitar se os portugueses e as empresas continuam sem acesso a ela e sem perspetivas de quando virão a ter.
Para ser justo, o tema do 5G, e outros, não estiveram totalmente ausentes da discussão. Mas os seus principais intervenientes sim. Foi, verdadeiramente, um congresso das comunicações sem as comunicações.
Alexandre Fonseca (Altice Portugal), Mário Vaz (Vodafone) e Miguel Almeida (Nos) no congresso da APDC em 2019. Imagem: Hugo Amaral/ECO
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