1985: o ano em que o futuro chegou à Passarela do Samba
Quatro décadas atrás, a Mocidade Independente, com o carnavalesco Fernando Pinto, era campeã do Carnaval, com discos voadores, astronautas, seres espaciais e robôs
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Este (então jovem) repórter viu aquilo surpreso como a maioria do público. Discos voadores, astronautas, seres espaciais: tinha tudo isso e muito mais entrando pela avenida naquela manhã. Era a promessa de Fernando Pinto já na sinopse do enredo. “A Nave-Mãe da Mocidade Independente partiu para o espaço sideral levando com seu samba, toda alegria, beleza e as cores do nosso carnaval. Em todos os planetas por onde passou foi plantando as nossas raízes carnavalescas e os povos de todo universo, foram influenciados pela nossa cultura popular, passando também a festejar à Momo. Era o grande dia do Carnaval Universal”, escreveu.
A jornalista e pesquisadora Bárbara Pereira conta em seu livro – "Estrela que me faz sonhar" – sobre a Mocidade que o carnavalesco batizou, inicialmente, o enredo de ‘Requebros imediatos do Terceiro Grau’ (outra inspiração cinematográfica) mas, felizmente, foi convencido a trocar por diretores da escolas. Nas fofocas da Sapucaí, diziam que havia reclamações na escola das baianas interplanetárias com antenas em seus chapéus e da fantasia de astronautas, com capacetes, da bateria. Mas tudo brilhava em prata e branco ao sol daquela manhã, como calculara Fernando Pinto ao preparar suas alegorias e desenhar suas fantasias.
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Com o tempo, a nossa memória fica cada vez mais baseada em impressões: do desfile campeão, lembro bem dos robozinhos da comissão de frente (com Castor de Andrade por perto, com uma camisa social verde empapada de suor, de gravata branca mas sem o paletó), das baianas e de um comentário jocoso sobre as “antenas de formiga”, da bateria (talvez por conta da monumental Monique Evans) e desse mar prata e branco. Também recordo que o Ziriguidum 2001 veio logo depois da Mangueira, que tinha baianas com enormes chapéus atrapalhando a evolução e passou também já com dia claro. Em 1985, era eu um novato nos desfiles: guardei a impressão de que aquele era diferente de todos os outros e tomei muitas notas sobre o enredo futurista da Mocidade.
Nem sei se cheguei a escrever sobre ele: trabalhava então numa revista semanal que nem chegou ao fim do século 20. Mas, ao escrever agora, a pesquisa me leva a genialidades de Fernando Pinto que talvez estivessem naquelas notas: no desenvolvimento do enredo, vinham alas como ‘Afoxé dos Filhos de Plutão, ‘Júpiter e os fandangos siderais’, ‘Reisado de Netuno’, ‘Corso dos mares da Lua’, ‘Caboclinhos marcianos’, ‘Rancho da Primavera de Vênus’, ‘Frevo uraniano’, ‘Boi-robô de Saturno’ e ‘Pirilampos de Mercúrio’. Fernando Pinto cumpriu a promessa, feita na sinopse, levando “Pierrôs Lunares, Colombinas Siderais, Arlequins Cósmicos”.
O Ziriguidum 2001 e seu samba-enredo cantado até hoje em quadras e rodas – “Sou a Mocidade/ sou Independente/ Vou a qualquer lugar” – pintaram um verde-e-branco neste meu coração salgueirense e passei a acompanhar a escola de perto, guardando na memória um tanto dos desfiles de 1987 – Tupinicópolis, o último de Fernando Pinto, antes de morrer num acidente de carro – e os da década de 1990, já criados pelo talento de Renato Lage.
Estava na cobertura dos títulos de 1990 (Vira, Virou, a Mocidade Chegou) e 1991 (Chuê, Chuá) e também de 1996 (Criador e criatura), todos com Lage de carnavalesco e uso de tecnologia no desfile. Tinha Frankenstein e Robocop no Criador e Criatura – o espírito de Fernando Pinto seguiu vivendo na Mocidade.
Quando 2001 chegou, outro gênio do Carnaval, Joãosinho Trinta, fez um homem voar na Sapucaí: o dublê Eric Scott, de uma empresa americana, usou uma mochila com propulsão a jato para ir ao céu no desfile da Grande Rio. Neste século, os efeitos especiais já fizeram até nevar: teve patinação no gelo, teve cascatas de água, teve todo tipo de uso de vídeos e luz de LED, teve uma pequena águia da Portela voando e outras águias gigantes evoluindo de diferentes maneiras. No seu último título, em 2017, a Mocidade fez um Aladim voar em seu tapete mágico.
Muita coisa mudou nesses 40 anos desde o Ziriguidum 2001: no desenvolvimento dos enredos, onde a tecnologia virou rotina, na Passarela do Samba, que passou por uma série de mudanças, e nos desfiles das escolas do Grupo Especial, que, em 2025, serão divididos em três dias, por iniciativa dos próprios dirigentes que, quatro décadas atrás, ainda reclamavam da divisão em dois dias, que começou em 1984. Gerações de sambistas – passistas, intérpretes, compositores, carnavalescos – deixaram suas marcas – muitos já se foram ou se aposentaram...
*Leia na íntegra no #Colabora
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Oscar Valporto
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade.
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