Talvez a gente só precise descansar (sem culpa)
Sobre o poder libertador de uma pausa como forma de buscar saúde e justiça
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Este texto foi publicado sexta-feira, 14/2, no #Colabora.
(Montego Bay, Jamaica) – É a minha primeira vez em ilhas caribenhas para as tão esperadas férias em muito tempo. Se o descanso não for uma disciplina, ele é facilmente negligenciado por qualquer outra urgência que atravessa nossa rotina. Nunca foi tão difícil priorizar esses dez dias e ficar totalmente off (o que não aconteceu). Na mochila, trouxe comigo o livro “Descansar é Resistir”, da autora Tricia Hersey, que nos ensina o poder libertador do descanso como uma forma de buscar saúde e justiça.
Das raízes e profundezas que o descanso revela, além do cansaço, me vi mais uma vez impressionada como o corpo fala. A exaustão rouba um tanto quanto de nós, da criatividade à paz de espírito. Quem tenta se inspirar, criar, produzir e tomar decisões sob os efeitos do cansaço extrema não é nenhuma heroína, é apenas mais um número do sistema capitalista e da supremacia branca, como defende o manifesto de Hersey.
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Cruzei cidades e ilhas de carro e sem internet, estive no festival do aniversário de 80 anos do Bob Marley. Testei e aprovei a culinária jamaicana. Estava contagiada pelo legado do reggae em toda parte — nas cores, nas histórias, nas músicas. Ontem, da série de fazer coisas pela primeira vez, estreei meu primeiro mergulho em alto mar. O tal batismo que fala? No dia do treinamento, eu estava pavorosa de terminar minhas férias de um jeito trágico: afogada. Mas ter ido, apesar do medo, me revelou outra face do enfrentamento do cansaço, que é a coragem e ousadia para testar a minha capacidade de ir além de algumas limitações que tenho.
Eu amo o mar. Não fui uma criança medrosa e cheia de limites em relação às ondas e marés, muito pelo contrário. Já quase fui engolida pelo Atlântico algumas vezes na adolescência, pois “não tinha tanto medo assim”. Contudo, minha experiência de mergulhar em alto mar, em águas transparentes e de temperatura indizível, foi realmente o ápice da cura temporária da exaustão.
Fiz dois mergulhos, um de manhã e outro de tarde. No primeiro, bateu aquele pensamento intrusivo que, mesmo sob os cuidados de um instrutor profissional e de equipamentos de qualidade, as coisas podiam dar errado para mim. Respirar errado, entrar água no respirador, acabar o oxigênio do cilindro, me desesperar com possíveis espécies perigosas.
Em 45 minutos de primeiro mergulho, vi uma imensidão de mar e jardins aquáticos afetados pela crise climática até então desconhecida para mim. Deu para calar a voz do medo e tentar lembrar quando foi a última vez que fiz uma coisa — não relacionada ao trabalho —, que me desafiou daquele jeito? Eu fui aprendiz, iniciante, instruída e sem nenhuma necessidade de me tornar uma mergulhadora profissional.
O segundo mergulho durou aproximadamente 38 minutos. Fomos para outro ponto do mar e, de novo, que mar! Havia mais corais de diferentes espécies, uma beleza sem fim e inebriante. Eu só sabia pensar que a minha necessidade de controle era muito pequena diante do que eu estava vendo. Por mais que eu tentasse nadar devagar para curtir o mergulho sem afobação, o tempo submersa é outro. Ele é o tempo do próprio mar, ditado pelas marés e pelos mistérios das águas.
De repente, ouvi uma buzina, que mais se assemelhava a um apito sonoro abafado, do instrutor. Pronto, alguma coisa terrível aconteceu, alguém se afogou, alguém morreu. Não, era só uma arraia. Enorme, linda e se movendo lentamente, mesmo na presença de estranhos. Respirei e pensei em como sou trágica. Era só uma arraia. Viva e em seu habitat...
*Leia na íntegra no #Colabora
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Andréia Coutinho Louback
Andréia Coutinho Louback é carioca, mulher negra e jornalista pela PUC-Rio. Mestra em Relações Étnico-raciais pelo CEFET/RJ. Reconhecida por duas temáticas de paixão e especialidade: justiça climática e racial. Atualmente, é diretora-executiva do Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC).
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