Para ser inteira
Quando comecei a escrever o meu livro novo, não sabia bem quais caminhos percorreria. A verdade é que eu fui buscando dentro e fora de mim algumas respostas. Em uma conversa com um amigo escritor, comentei com ele o quanto escrever envolve um certo nível de sinceridade. Ali as coisas se cruzaram, afinal. Seria preciso um rasgar por inteiro, encarar as dores subcutâneas para, enfim, me encontrar. Da conversa surgiu um título que, de fato, tinha relação com o que estava no embrião das ideias já rascunhadas.
Dei o meu grito que, antes de ser só felicidade; foi, sobretudo, de alívio. Há um certo grau de normalidade quando se sabe que há pessoas de diferentes frentes e visões de mundo se unindo para garantir que o processo democrático sobreviva. Pulei, gritei, chorei e sorri com a alegria que promete mais constância e com a esperança de que agora poderemos elogiar e criticar pautados em realidade — não em temperamento, mentiras e vozes da cabeça, como aconteceu nos últimos 4 anos.
Como escritora, por mais que evitasse pensar e escrever sobre a dor, foi difícil ver Educação, Cultura e Saúde sendo desmanchadas. Sou um ser que vive e ama e sente, sou um ser que é atravessada por tudo o que vejo acontecendo. É sobre esse atravessamento que refleti ao longo da minha escrita de um modo geral nos últimos tempos. De uma maneira muito pessoal, saí em busca do entendimento daquilo que, aparentemente, parecia faltar: o amor. De um modo muito coletivo, compreendi que ele, o amor, sempre esteve aqui.
Quando a Conceição Evaristo disse que eles queriam nos matar e que nós prometeríamos que não morreríamos, houve amor. Quando resolvemos que não soltaríamos a mão de ninguém, houve amor. Quando Emicida lançou o AmarElo e nós cantamos Belchior a plenos pulmões, houve amor. Quando nos fechamos em casa em nome da saúde, houve amor. Quando consolamos os amigos, quando nos vacinamos, quando fomos contra ao armamento desenfreado, quando defendemos as minorias, quando nos abrimos para tentar estabelecer diálogos com pessoas que pensam de modo tão, tão, tão diferente de nós. Em todos esses momentos, contra a realidade seca, dura e exaustiva, houve amor.
Mergulhar na arte, na minha arte, me ajudou a não desistir de amar. Foi me rasgando por inteira, trocando de pele, deixando a velha carcaça para trás que consegui escrever um livro e ver tantos outros — de alunas, amigos e clientes, todos tão queridos! — sendo publicados e ganhando o mundo. A troca, nas páginas impressas, em um outro ritmo, me trouxe até aqui. A literatura me manteve viva, me possibilitou continuar caminhando.
Foi nesse processo de me rasgar que eu me mantive inteira. Parafraseando a música, posso ter morrido nos anos anteriores e, ainda que saiba que a luta não termina aqui, neste ano eu não morro!