Um pouco de sentido
Tenho pegado pesado comigo mesma. Eu sei, isso é duro de admitir, mas o fato é que tenho sido dura, muitíssimo dura comigo. Os últimos anos foram intensos, impensáveis, desafiadores. Desde 2017, venho lutando batalhas de quase-morte e, justamente por isso, estive prestes a jogar a toalha. Muitas, muitas vezes quase fui a nocaute. Nos últimos meses, mais do que nunca.
“Às vezes, é preciso descansar uma batalha para retomar o nosso caminho”, meu amigo de adolescência sorria do outro lado da mesa, me encorajando. Acho que, naquele momento, entendi com o cérebro, não com o coração. Eu sempre fui cobrada — e, por consequência — sempre me cobrei de não ter descanso. Negra, pobre, periférica. Como posso me dar ao luxo de parar? Como sair dessa rodinha de sempre ter que me provar a todo tempo? Como enfrentar o mundo afinal?
Essa semana me peguei falando para uma das minhas alunas para abrir mão do controle. “Se planejar demais o seu texto está te travando na escrita, tenta algo mais livre. Quando estiver mais livre te travar, volte a planejar. Essa dança na procura por equilíbrio vai te fazer seguir em frente”. Veja a ironia: eu, a pessoa que está pegando pesado consigo, falando sobre viver mais no fluxo. E por que não?
Lá no Projeto Escrita Criativa, Ane, Ayumi e eu sempre falamos sobre como a criatividade está atrelada ao autocuidado e a alimentar as nossas fontes de inspiração. Um corpo cansado, desidratado e faminto não consegue criar. Assim como ver sempre as mesmas coisas não ajuda a conectar os pontos. Uma ideia criativa é como uma metáfora: junta lé com cré para formar uma terceira parte não óbvia, mas que é só parar para pensar, que faz todo sentido. O problema é que, quando se entra no modo sobrevivência, não se abre tempo para “parar para pensar”.
No fundo, sempre busquei ser exemplo a partir do que faço, não do que só digo. Por isso, respirei fundo, resolvi descansar o corpo; para, só então, conseguir juntar as peças. Elas apareceram (e continuam aparecendo) na minha vida de forma fluida: uma conversa com dois amigos mais velhos aqui, o reencontro com meu amigo da adolescência acolá, aquele desabafo despretensioso com a minha melhor amiga (e talvez uma das maiores incentivadoras) no WhatsApp, a carta do oráculo que me orienta a tomar notas dos meus medos e dos meus desejos, a música que diz sobre tratar as pessoas com gentileza, os meus sonhos. Tudo se conecta em algum ponto, me tirando aquela sensação de estar perdida.
Tentar calcular o próximo passo racionalmente sem abrir o coração não me move a lugar algum. Ou melhor dizendo, me lança no Coliseu do “isso não está perfeito porque você é uma inútil que não tem forças para nada”. Nesse espaço, sou devorada pelos sentimentos de inadequação, pela distância que se cria entre mim e o meu propósito, já que o que dá sentido à minha jornada não mora nesse espaço.
Ao longo dos anos fui compreendendo que teoria sem prática não serve de nada. Prática sem teoria nos leva a fazer tudo do jeito mais difícil. A vida é essa coreografia em que ambas se unem para trazer um pouco de sentido na jornada. Justamente por isso é que agora começo a me sentir melhor na retomada do meu melhor destino.