BRAIN HUB - conectando mentes disruptivas


16/08/2019

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Walkiria Schirrmeister Marchetti - diretora executiva do Bradesco (divulgação) 

No comando da inovação

Ela é matemática e a única brasileira no ranking Women Business Pioneers In Artificial Intelligence, pelo qual a IBM reconhece mulheres precursoras no uso da Inteligência Artificial. Participou de várias inciativas estratégicas do Bradesco, como a supervisão do desenvolvimento do sistema de IA para o atendimento dos clientes, o BIA (Bradesco Inteligência Artificial). E hoje, como diretora executiva do banco, Walkiria Schirrmeister Marchetti responde pelas áreas de Tecnologia, Inovação, Pesquisa e Operações.

Com o mesmo entusiasmo com que conta como o sistema de inteligência artificial foi capaz de aprender a língua portuguesa, incluindo gírias e regionalismos, Walkiria comenta nessa entrevista como o banco veio estruturando o seu processo de inovação disruptiva, até formar o que ela chama de ecossistema InovaBra.

A cultura de inovação está no DNA do banco, diz ela, ressaltando no entanto que hoje ninguém inova sozinho.  É importante unir a disposição das grandes corporações em empreender e as ideias inovadoras das startups no uso de tecnologias como a própria IA, a IoT e o blockchain, para melhor atender ao consumidor.  Que, por sua vez, já não pode mais ser segmentado somente pelos critérios tradicionais, como idade, ocupação e escolaridade, por exemplo, mas cada vez mais por seus comportamentos durante a sua jornada digital.

Conceitos como o do internet banking e mobile banking caminham para ser substituídos pelo Open Banking e o modelo de operação através de plataformas. E o Bradesco e seus parceiros já se preparam para esse futuro não muito distante, como você poderá conferir no desenrolar da conversa.

Disrupção é ...

"Uma questão complexa. Várias definições correm aí no mercado, mas eu gostaria de dar uma bem simples: disrupção é o novo. Um novo produto... Um novo serviço... Uma nova experiência que traga valor para o consumidor.

Na verdade, a disrupção vem do consumidor, quando ele busca simplificar a vida ao usar um produto ou serviço mais acessível, que ofereça conveniência, uma experiência completa e de forma mais barata.  A tecnologia entra nesse cenário muito mais como um meio, não tanto pela própria tecnologia, mas pela forma como ela é aplicada para gerar valor para o cliente.

E as tecnologias exponenciais disruptivas que surgem têm feito esse processo ser mais veloz do que no passado, não é?  A humanidade sempre passou por pequenas e grandes revoluções ao longo do tempo, como no caso da Revolução Industrial, com o vapor e, depois, com a eletricidade.

Hoje nós temos tecnologias que permitem um movimento ainda mais acelerado, com uma capacidade de processamento bastante grande, a possibilidade de captura e uso de um conjunto de dados imensa... Tudo isso para entender as necessidades do consumidor.

Para nós a Inteligência Artificial é a nova eletricidade. Ela vai permear todas as atividades do ser humano e, consequentemente, todas as atividades de uma empresa.

O Bradesco sempre acompanhou muito de perto toda a evolução tecnológica e como aplicar as novas tecnologias a serviço do cliente. Desde quando compramos o nosso primeiro computador, quando passamos a oferecer transações através da Internet, ou quando criamos o nosso primeiro cartão de débito, o objetivo sempre foi poder entregar valor mais rápido aos nossos clientes. Com a Inteligência Artificial não foi diferente.

Primeiro criamos um grupo interno que iniciou estudos sobre a nova tecnologia, capitaneado pela área de Pesquisa e Inovação, porque entendíamos que a Inteligência Artificial ainda não estava madura, mas que já era o momento de a gente começar a experimentar. Por volta de 2016 nós abrimos o primeiro projeto e decidimos buscar o primeiro caso de uso.

Tínhamos um ponto a resolver, que era como levar o conhecimento sobre os nossos produtos e serviços à nossa força de vendas nas agências...  Temos uma centena de produtos, dada a diversidade da organização, que atua como banco, seguradora, empresa de consórcio, corretora e uma abrangência grande da nossa rede agências. O tempo para formar conhecimento, levá-lo a todos, é muito grande.

Então, começar a trabalhar com a IA na criação de uma base de conhecimento dos nossos produtos e serviços reunindo toda a informação que estava dispersa entre documentos e pessoas, foi um bom caso de uso.

Essa etapa de alimentação da base foi a mais fácil. Depois veio a etapa de treinamento, que é uma das mais importantes na implementação de qualquer projeto de Inteligência Artificial. Nós usamos a nossa própria rede de agências para treinar a nossa base de conhecimento. Elas nos ajudaram a construir a nova ferramenta de trabalho e aprimorar a base. Foi um trabalho conjunto.

Além da alimentação da base e do treinamento da IA, existe também uma estrutura de curadoria que é responsável por acompanhar permanentemente as interações com a base de conhecimento e avaliar se as respostas foram assertivas ou não.

No modelo que implementamos, a consulta é remetida a um atendente humano, de forma totalmente transparente para quem está interagindo via chat, caso a resposta não tenha sido satisfatória após 5 interações. Essas derivações para o atendimento humano também servem de insumo para a gente retroalimentar o processo.

Hoje temos uma equipe de mais de 100 pessoas que cuida de todo esse ciclo da IA. Mas especificamente da BIA, que é o acrônimo de Bradesco Inteligência Artificial. Nós chamamos essa área de Centro de Excelência da BIA, C-BIA.  Ele cuida de agregar as novas capacidades da IA, como linguagem natural, interpretação de voz e de texto, no sentido fazer melhorias na interação e também do treinamento contínuo da base de conhecimento. 

Quando termina esse trabalho? Nunca! Porque é um trabalho do cuidar mesmo. De acompanhar permanentemente as interações para aprimorar o sistema.

Quando entendemos que tínhamos uma base de conhecimento bastante madura, a BIA passou a atender também os nossos clientes. E acredito que temos aí uma vantagem competitiva.  

Começamos alimentando a base de conhecimento com os 11 produtos mais demandados, para exercitar o modelo, a governança e, principalmente, fazer as integrações com os nossos canais de atendimento. Hoje estamos com quase 90 produtos nessa base, disponíveis para acesso por nossos clientes. E expandimos também para outros setores, como a seguradora.

No caso do banco, o foco é a melhoria do atendimento do cliente, para que ele seja cada vez mais personalizado e resolutivo. No caso da seguradora é menos na oferta do produto e mais no momento de mais desconforto, em que o cliente mais precisa do seguro, para ajudá-lo a resolver o problema. A BIA pode chamar o guincho mais próximo, ligar para oficina mais próxima, conduzir o atendimento.

A aplicação da IA tem em seu bojo uma questão ética, como deve ser em qualquer outro relacionamento da empresa e consumidor antes da tecnologia.

Todas as empresas têm os seus padrões de ética que devem ser estendidos à aplicação de IA. Nós aplicamos análise de score em análise de crédito há mais de 25 anos. Não é novidade. E fizemos com as tecnologias vigentes à época. Por isso é muito importante estabelecer governança e curadoria permanente na interpretação das intenções e das bases de conhecimento.

Entender e respeitar a cultura de cada região ou país também é primordial. Os parâmetros para interpretar uma intenção são diferentes nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil.

Tomamos muito cuidado com os diferentes vocabulários que temos aqui no país, por exemplo. Palavras que tem um significado no Rio Grande do Sul podem ser diferente em outra parte do país. A IA não é só uma máquina que ingere informações e toma decisões sem supervisão. Por trás dela existem pessoas que estão cuidando desses pontos. Quem ensina a máquina é o ser humano. Na verdade, muitos, uma equipe multidisciplinar. E essa atividade de ensinar algo à máquina exige métodos e processos. Foi com este cuidado que a BIA foi concebida.

O cliente deve ver a IA como um instrumento para aumento de valor agregado de produtos e serviços, não só na interação com o banco. É claro que ela também vai permear o ganho de eficiência operacional da instituição financeira, por ajudar a reduzir custos e os preços cobrados do cliente. A IA também ajuda nos mecanismos de proteção, de compliance, de combate a fraudes e, sem dúvida, na segurança.

Como os perímetros fugiram das fronteiras das organizações, em função do aumento de uso das plataformas, cada vez mais será preciso usar a IA na prevenção e proteção das operações. Então, na nossa estratégia, a IA permeia toda essa cadeia de valor, que vai desde a interação até à proteção, passando por eficiência.

Colaboração é outra palavra super estratégica nesses novos tempos.

A participação de equipes multidisciplinares - mais do que isso, de competências distintas, diversas - que consigam trabalhar de maneira colaborativa, é condição básica para enfrentar as mudanças que temos vivenciado no mercado. Não é mais uma questão do tipo “seria ideal que...”. Quem não estiver operando nesse modelo já perdeu uns 4 anos nessa corrida para atender as necessidades do consumidor.

No Bradesco temos outra vantagem competitiva. Sempre trabalhamos em um modelo de colegiado, por premissa estratégica, desde a fundação do banco. Não é uma prática de agora, em função da transformação digital.  As áreas trabalham de forma coordenada, com governança robusta e de forma colaborativa. Mas novas competências surgiram. Competência técnicas e, sobretudo, comportamentais.

Então há de fato um esforço de trazer esses novos conhecimentos e expertises para perto. Em especial, as expertises dos cientistas de dados e dos profissionais de UX, necessários para o que se vai desenvolver dentro da organização.

E aí não tem muito segredo não. O que a gente faz é nos associarmos com quem domina o know how que precisamos: desde parceiros tecnológicos, até de universidades e de startups especializadas em certos nichos. É o trabalho coordenado, envolvendo todos esses atores, que faz a entrega no fim do dia. 

O InovaBra faz parte disso. É uma espécie de LEGO, no qual a somatória das partes faz a entrega.

A inovação sempre esteve no DNA do banco. Mas dentro desse movimento de grande de transformação digital, há 5 ou 6 anos nós entendemos era importante que estruturássemos de forma mais adequada o que começamos a chamar de ecossistema de inovação.

O primeiro movimento que fizemos nesse sentido foi estabelecer um comitê executivo de inovação, para que a gente tivesse um colegiado onde as iniciativas fossem debatidas e o corpo executivo desse o aval. Organizamos polos por linhas de negócio, produtos, canais, meios de pagamento, cartões, futuro das agências, banco do futuro e seguros. Depois a gente acabou criando um para backoffice também.   

Nesses polos havia sempre um patrocinador da iniciativa, e a participação de pessoas de outras áreas envolvidas, de pesquisa e inovação (olhando um pouco o que estava acontecendo no mundo do ponto de vista de modelos de negócio e de tecnologias), da área comercial e da equipe de TI (software, infraestrutura e arquitetura). Uma das iniciativas surgidas nesse movimento foi o Next.

Esse movimento foi muito focado na estruturação de métodos de trabalho, como adoção de design thinking, internamente. Quando já estava funcionando bacaninha, passamos para o passo seguinte que foi promover o trabalho conjunto com as startups.

Aí surge o segundo instrumento do InovaBra. Nesse início ainda com um programa anual de chamada das startups e um método de seleção do de que casava com as necessidades do banco. Dentro de um processo multiestruturado de governança, os polos eram os anjos das startups. Se o pessoal de produtos encontrasse algo interessante, ele passava a ser o anjo daquela startup. No dia do pitch, a stratup tinha 5 minutos para apresentar a sua proposta, o anjo outros 5 minutos para defender e o comitê mais 5 minutos para debater se a proposta ia em frente ou não. Se fosse, passávamos para a fase de experimentação.

Foi muito bacana, porque isso trouxe novo oxigênio. As equipes do banco tiveram contato com um mundo muito amplo, de diversidade de soluções de empresas, que encontraram determinados nichos para certas necessidades que muitas vezes a gente não havia percebido; e as startups recebiam um suporte muito grande sobre o relacionamento com uma empresa de grande porte. Havia questões de escala, segurança, coisas que precisavam ser complementadas nas ideias que elas trouxeram.

As chamadas eram para resolver problemas do banco. A gente ganhava uma solução desenhada em pouco tempo e para as startups também era interessante, porque elas vinham atrás de mercado e não de investimento. Para eles, um parceiro como o Bradesco implementando soluções tinha muito mais valor que qualquer investimento inicial. O modelo de corporate venture só surgiu depois, com a área que olha investimentos de private equity permanentemente, inclusive em startups.

Nós entendemos que isso precisava ser um processo contínuo. E aí vieram três mecanismos importantes:

  • o Lab, que é um ambiente de inovação colaborativa com os parceiros tecnológicos, incluindo os grandes fornecedores, onde eles ficam residentes, como em um espaço de coinovação, desenvolvem provas de conceito conosco em um ambiente com infraestrutura segregada e disponível, e aceleram a implementação; 
  • o Habitat, que busca conectar o mercado, incluindo os nossos clientes corporate [são mais de 70 corporações presentes], startups residentes [que já têm faturamento próprio, já receberam algum tipo de investimento e trabalham com tecnologias como algoritmos, IA, Big Data, blockchain, IoT e computação imersiva], fundos de investimento e comunidade acadêmica;
  • e o InovaBra hug, uma plataforma digital colaborativa onde as startups podem expor suas ideias, e cas orporações e o próprio Bradesco podem publicar desafios de negócios para que as startups interessadas apresentem soluções. 
Em um ano de existência, o Habitat já proporcionou mais de 170 negócios entre corporações e startups, startups com startups e startups com o Bradesco. Gerou também algumas soluções já em uso, algumas para melhorar processos internos do banco, ou das agências, outras desenvolvidas e implementadas pelos clientes.

Hoje, um trabalho em curso é aproximar mais o Habitat de outros polos de inovação, como o Porto Digital e a Acate, para promover a troca de estrutura, de experiências e de atividades. Outro é promover o uso dos hubs internacionais, em Nova York e Londres, onde alguns dos membros do Habitat, do Porto Digital e da Acate podem passar algum tempo estudando o mercado, modelos de negócio, aplicações de determinadas tecnologias.

Ninguém inova sozinho. É um ganha-ganha. O que a gente tem buscado no InovaBra é o match perfeito, dada a necessidade do consumidor, com uma empresa que queira empreender e uma startup com uma excelente ideia.

Vemos o InovaBra como um instrumento. Ele é tático. E serve a três pilares estratégicos bem definidos. E a Inteligência Artificial também permeia esses três pilares, assim como blockchain e a melhor UX. O primeiro pilar é a aceleração digital do banco tradicional, para tornar a vida dos nossos clientes mais simples e objetiva, usando principalmente o mobile, que é o canal preferencial hoje e toca toda a pirâmide social. A BIA está dentro desse contexto, de apoiar esse processo de aceleração digital. 

O segundo pilar é o banco digital propriamente dito, olhando não só o uso do mobile, mas a mudança do comportamento do consumidor, de ponta a ponta, que é muito baseado em jornadas. No dia a dia desse consumidor. O Next nasce aí, para atender a um consumidor hiperconectado. Ele é baseado no conceito de plataforma, onde estão conectados parceiros que possam contribuir para a melhoria do atendimento da jornada do cliente e, principalmente, ajuda-lo na gestão de seus objetivos. 

Se esse público é consumidor de Uber ele pode chamar o Uber de dentro do Next. A mesma coisa para alimentação, para diversão.  A ideia é que esse cliente tenha o Next como a sua plataforma de interação para resolver boa parte do que precisa fazer na sua jornada diária. É uma outra proposta de valor. Estamos hoje com 1,2 milhão de contas, em um ritmo de 8 mil contas sendo abertas por dia.

O terceiro pilar estratégico é o Open Banking. E aí estamos falando das era das plataformas mesmo. Estar presente em várias plataformas, podendo ter vários tipos de participação: produtos do Bradesco sendo ofertados em outras plataformas, ou o Bradesco como plataforma oferecendo serviços seus e de terceiros, ou o Bradesco como agregador de uma outra plataforma com outro produto.

Essas plataformas abertas vão atender a necessidade de um determinado nicho de ponta a ponta.  Vamos ver isso acontecer no mercado, com certeza.

Uma iniciativa que a gente tem nesta linha, que já está lançada, é o Portal MEI, que disponibiliza consultoria, formalização, abertura de contas e soluções financeiras e não financeiras para correntistas e não correntistas do Bradesco, desde que microempreendedores individuais (MEI). Todos os serviços disponibilizados são gratuitos, mesmo para não clientes.

O microempreendedor individual é um público amplo no país, tem as suas dores não só para tocar o seu negócio, como também para se formalizar, pela dificuldade de obtenção de informação e de conhecimento do processo. Dentro do conceito de plataforma, buscamos criar uma jornada que cobrisse todo o ciclo de vida de um MEI e orquestramos a oferta das soluções necessárias, muitas delas criadas por parceiros. O Sebrae fornece as informações. O MEI Fácil e o Dicas MEI são parceiros que ajudam na formalização do negócio.

O cliente também pode abrir uma conta digital com um pacote de produtos e serviços formato para ele, e ainda ter acesso a um pequeno ERP para gerir o negócio. E se vender alguma coisa, abrir uma loja digital, ou ter acesso a um PDV para o seu ponto de venda. Ele tem acesso ao enxoval completo, que pode ser Bradesco ou não.

"Então, entender a necessidade de determinados públicos e cobrir a cadeia de valor de ponta a ponta será importante não só para o setor financeiro, como para outros segmentos de mercado também."

Por tudo isso, a gente vê o ecossistema do InovaBra como um celeiro. Se a gente não tiver esses braços estendidos... mais que braços, cabeças, a gente não vai conseguir compor e integrar uma oferta de valor na era das Plataformas.

A ruptura é contínua. O processo de inovação deve ser contínuo também. O mundo incumbente dá sustentação para o outro. Todo novo, primeiro, precisa gerar uma percepção de valor para o consumidor. O consumidor começa a adotar. Só quando massifica é que a gente pode dizer que a disrupção aconteceu. E aí pode ser que o consumidor abandone o tradicional. Fica no mercado quem conseguir atender bem o cliente.

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