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06/09/2019

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Eric Santos, CEO e co-founder da Resultados Digitais (divulgação) 

O playbook da disrupção

Eric Santos tem 38 anos e não acredita em mitos. Acredita em trabalho duro, sistemático e em playbooks que têm como único foco criar produtos inovadores que façam sentido para o consumidor.

Como CEO e co-fundador da Resultados Digitais (RD), startup que nasceu em 2011 para ajudar médias e pequenas empresas a crescer com tecnologia de marketing digital, ele passou dois anos em modo bootstrapping construindo uma startup que tivesse o fit correto de marketing para se tornar uma empresa sustentável que atraísse capital de risco para crescer.

"No começo da RD tínhamos duas coisas claras na cabeça: não sabíamos se ia ter capital, portanto teríamos que meter o pé sozinhos; e não queríamos iniciar nenhuma rodada de investimento se não tivéssemos achado um modelo bacana para o negócio, ou seria colocar gasolina em carro desgovernado".

Só em 2013 veio a primeira rodada de investimentos, e outras se sucederam, até a mais recente de RS$ 200 milhões, o maior investimento já recebido por uma startup de SaaS (Software-as-a-Service) na América Latina. A RD hoje tem mais de 700 funcionários, 13 mil clientes globais e escritórios em São Paulo, Joinville, Bogotá, Cidade do México e San Francisco. E já soma US$ 91 milhões captados junto a investidores que acreditam em sua visão.

Sua carreira de empreendedor começou em 2005, com a Praesto, uma empresa de desenvolvimento de aplicativos para mobile que nasceu dois anos antes do iPhone e da revolução do ecossistema de apps.

Agora, à frente da RD, uma Scale Up que acelera para ganhar mercado global, Eric encara as dores do crescimento e da inovação contínua com um playbook que se mantém privilegiando o entendimento do consumidor enquanto cria uma cultura corporativa que deve ser observada de muito perto por incumbentes e disruptores. Ele não gosta de mitos, mas é, ele mesmo, um dos ícones do empreendedorismo brasileiro que dá certo. Confira o papo.

Disrupção é ...

"Eu tenho uma visão bem Clayton Christensen do que seria disrupção, que é basicamente resolver uma necessidade do consumidor que não estava atendida, de forma plena ou parcial pelo mercado, com com uma oferta que tem uma pegada mais simples, ou uma abordagem diferente para o mesmo problema.

Um caso clássico de ruptura é o iPhone. Ele democratizou o acesso aos apps, que já existiam antes dele ser lançado, mas estavam muito distantes do usuário comum porque eram muito complexos de instalar e usar. O iPhone criou todo um ecossistema que permitiu colocar milhares de serviços na mão das pessoas.

A ruptura tem menos a ver com o ineditismo da coisa e muito mais com o "acertei o ângulo" para atingir pessoas em uma escala muito maior.

O que a gente via, quando começamos a RD, é que o marketing digital era uma ferramenta poderosa para poucas empresas. Tinha todo aquele shift do marketing saindo para o online, tinha todos os os benefícios do engajamento, mensuração, construção de ativos digitais, etc..

Mas tudo o que víamos estava disponível para poucas empresas que estavam usando o conceito na época. As médias e pequenas companhias passavam ao largo porque não tinham noção disso. A coisa era - e ainda é - complexa, e aí as grandes terceirizavam a tarefa para empresas especializadas em marketing digital que as pequenas não tinham recursos para contratar.

Nossa proposta tinha três pontos: ser mais simples de usar e aprender; ser uma plataforma que englobasse todos os recursos em uma só ferramenta; e ter preço acessível.

Eu escrevi o (blog) Manual da Startup entre 2009 e 2012. Revendo muitos dos posts, recentemente cheguei à conclusão de que continuam válidos até hoje. Eu via em 2009 o movimento forte da lean startup e o tema era muito importante: achar primeiro o tal market fit para um produto.

O framework de lean startup pede que se trabalhe de forma sistemática em cima de uma ideia para encontrar formas de crescer o negócio. Usei muito disso no começo da RD e fomos muito rigorosos na sua aplicação para poder começar do jeito certo.

O conceito principal é que as empresas de tecnologia não morrem por incapacidade de fazer um produto, mas sim por incapacidade de fazer um produto que tenha demanda suficiente disposta a comprar e usar esse produto.

Eu vejo hoje as startups com duas ou até três fases bem definidas: primeiro a busca pelo product market fit; uma segunda fase, intermediária que é encontrar economics que funcione para viabilizar o produto; e aí a fase 'pau na máquina', que é crescer e escalar, a tal fase de Scale Up. Muito das crenças relacionadas ao mind set de sartups continuam válidas.

A partir de 2014 eu mudei nosso playbook para a Scale Up, do crescimento, e aí foi montar máquina para tudo: máquina de venda, de produção, de contratação... etc.. É a fase de levantar capital de verdade e colocar o capital para trabalhar.

Quem está começando deveria ler o Lean Startup e os livros do Steve Blank. Eu gosto do Blitzscalling, mas acho ele é mais ilustrativo e menos didático e mais adequado para Scale Ups. Porque ele mostra que no crescimento vai faltar processo, que vai doer, e indica o que focar em cada estágio (vila, cidade, etc.).

Uns dois anos atrás chegamos a errar na RD tentando aplicar playbook de Scale Up em iniciativas que na verdade precisavam de playbook de startup.

Acho que o ecossistema de empreendedorismo no Brasil amadureceu vertiginosamente nesse período. Em dois anos recentes tivemos deals e saídas grandes, que só tinham acontecido lá atrás, em 2007, como a venda do Buscapé, por exemplo. O venture capital cresceu e agora temos uma avalanche.

Com o capital semente (seed money) é a mesma coisa, era raro em 2010 e hoje é disseminado. No ambiente de Floripa [Florianópolis, onde fica a sede da RD], por exemplo, tem de tudo: investidores, advogado, fundos, mentores, gente com playbook pronto etc.. É impressionante o que aconteceu. Os mitos de 2010 eram reais pra gente, mas hoje o cenário mudou.

No começo da RD tínhamos duas coisas claras na cabeça: não sabíamos se ia ter capital, portanto teríamos que meter o pé sozinhos; e não queríamos iniciar nenhuma rodada de investimento se não tivéssemos achado um modelo bacana para o negócio, ou seria colocar gasolina em carro desgovernado.

Ficamos dois anos no bootstraping. Eu coloquei dinheiro no começo, fizemos muito trabalho de consultoria que gerava dinheiro para o customer development, todos os founders não tinham salário. Ficamos super, super leans até o final de 2012. Aí captamos um seed de 500 mil reais e em 2013 tivemos a primeira rodada institucional, mas aí já tinha produto rodando e eu já sabia como fazer um produto funcionar. Aí dava para botar lenha na fogueira.

É importante lembrar que quando você levanta a grana institucional o jogo vira, e aí é preciso crescer e garantir a saída do VC.

Talvez seja necessário para amadurecer o ecossistema, ter esses momentos de oba-oba. Lembra quando a Economist publicou a capa do Cristo Redentor decolando? Veio um monte de fundos e muita grana sem sentido, que acabou indo embora. Esse movimento volta agora mais forte, maduro.

O ecossistema de venture capital de hoje já sabe o que fazer, não coloca dinheiro em projeto sem pé nem cabeça, espera dos founder provas de resiliência. Claro que tem muita agitação e ainda tem gente sem noção colocando dinheiro em coisa ruim, mas os momentos de correção estão ajudando a afinar o mercado.

Tem um certo glamour em torno do empreendedorismo que, quem vive o dia a dia sabe que não tem nada de glamoroso.

Tivemos muitos erros e muitos acertos, mas nenhum deles de consequência muito grande. Nem grandes sacadas, mas também nenhuma grande caca.

Na categoria dos erros, uma das coisas que demorou para eu virar a chave foi quando mudamos de Market Fit para o modo Scale Up. Não nos preparamos adequadamente para isso, pessoas, modelo financeiro, etc,, ainda estavam no modo scraping. Eu teria tirado um tempo maior para dar arrumada na casa antes de acelerar para crescer.

Um exemplo: a RD tem uma cultura muito forte de promoção interna. As pessoas entram na empresa e vão crescendo e sendo promovidas. Em uma fase eu tinha 200 pessoas e umas 40 em posição de liderança. Dessas, 35 nunca tinham sido líderes na vida e não tinham vivência corporativa. Se tivesse parado, teríamos criado aulas de liderança paras as pessoas.

Quando eu ouvia esse debate sobre inovação, uns 4 anos atrás, eu tinha essa postura meio arrogante de dizer que isso era tema para dinossauros porque a gente inovava o tempo todo.

Agora, na medida que a empresa fica mais complexa, claro que é mais difícil inovar. Aí começa o desafio da tal corporação ambidestra - a organização que consegue crescer e ganhar eficiência com um core business mais maduro, que pede uma batida de bumbo de gestão com mais experiência, mas que precisa coexistir com a necessidade contínua de inovar para se manter relevante.

O que temos feito é ter estruturas blindadas, até fisicamente, e um modelo de gestão dessas iniciativas diferente do convencional. Adquirimos uma empresa de CRM no ano passado, por conta do produto e da tecnologia, e agora estamos tentando encaixar na nossa máquina, mas intencionalmente estamos deixando esse grupo pequeno, com 15 pessoas. O líder do grupo é o CEO da empresa antiga e minha relação com ele é de mentor e não de CEO, porque não é hora de cobrar dele as mesmas entregas que se cobra da empresa regular.

A nossa participação internacional é um outro exemplo de como se pode errar ao juntar tudo. Tentamos fazer tudo junto e foi um show de horror. O pessoal que estava montando a operação internacional não sabia ainda direito como fazer e começou a tirar o foco de todo mundo na empresa inteira que tentava fazer acertar.

Talento precisa de desafio e desenvolvimento. Se ele não estiver se esticando o tempo inteiro ele vai olhar pro lado.

Tem algumas coisas que influenciam muito na cultura e no clima corporativo. Quando o negócio cresce 50, 100, 200 por cento ao ano, por tabela você sabe que vai ter um monte de oportunidades e caixinhas novas de crescimento que os talentos internos poderão pegar e fazer acontecer.

Somos muito explícitos quando relacionamos a nossa cultura, nossos valores, com os trade-offs que elas trazem. Sempre que falo de cultura com o time eu falo dos nossos seis valores e sempre lembro que cada valor, para não ser genérico, tem de vir com algo que você está perdendo.

Em todas as áreas da empresa a gente dá treinamento, ensina tudo o que for possível para replicar conhecimento. Isso atrai muita gente de fora, que fica fascinada com a empresa e quer entrar Mas o lado 'ruim' é que isso também "entrega o jogo", o nosso segredo, e muitas vezes parece que poderíamos andar mais rápido se não parássemos tanto para  para fazer conteúdo interno, mas isso é uma falsa ideia de problema.

Nosso modelo é: fez alguma coisa certa e que funciona? Pára e ensina todo o time a fazer. Isso é um trade-off do valor. Por isso tentamos sempre trazer gente que está associada aos valores.

Outra coisa é a fidelidade baixa. As pessoas hoje pulam muito de empresa para empresa e nosso modelo para resolver isso é inspirado no livro do Reid Hoffman, o The Alliance, que tem o conceito do tour of duty, um pacto realista de lealdade entre empregados e empregadores.

Nos anos 70, a fidelidade ao trabalho fixo era maior porque as expectativas de estabilidade eram garantidas.. Hoje está todo mundo meio free agent. Para a empresa é ruim, porque não tem perspectiva de segurança sobre aquele funcionário, mas para a pessoa também é, porque se a empresa percebe que o funcionário não tem compromisso ou expectativa, ela não vai apostar naquela pessoa todas as fichas que poderia.

O que o Reid fala é que é preciso reconhecer a natureza do novo mundo e ter um pacto racional entre ambos, uma missão com início, meio e fim que, se for quebrado antes do prazo pactuado, a parte estaria quebrando um compromisso moral. No final sim, se vc quiser terminar e sair tá tudo certo, no hard feelings.

Temos um nível de turnover que não é tão baixo na RD, mas ele hoje é quase planejado. As pessoas estão fechando ciclos e quando elas saem é porque encaixe não acontece mais. O principal pra mim é não ser hipócrita e ter uma conversa aberta e estruturada sobre isso, e o tour of duty é um excelente caminho.

O legal desse pacto é que as duas partes se esforçam, no final, para mostrar que têm de refazer o pacto e achar alguma coisa que faça sentido para renovar. A tendência é que as pessoas fiquem muito mais.

Em perspectiva macro, o foco no consumidor está melhorando, mas tem várias empresas que não entenderam. Elas vêm de um tempo em que o consumidor tinha pouca oferta de produtos e serviços, pouquíssima informação e não tinham uma forma de amplificar a frustração dele com a empresa, não tinha canais para ecoar o que sentia. Hoje tem mais oferta, acesso à informação, sites que permitem reclamar online e convencer minha rede inteira de que a empresa é bacana ou ruim.

Em cima disso ainda vem uma mudança sistêmica do modelo de negócios. A grande maioria está indo para um modelo de assinatura ou modelo de receita recorrente para o negócio. Eu às vezes falo em palestras sobre o Starbucks, que tem análises super sofisticadas da recorrência para saber se vale abrir uma loja ou não, e lembro que o app de pagamentos deles está na frente de todos os meios de pagamento nos EUA.

A empresa vive e morre pelo lifetime value, e o lifetime value hoje é a vida do cliente. E é uma questão de tempo para a morte de quem não leva em conta isso. É preciso muitas vezes tomar decisões malucas respaldadas pelos dados que vêm dos clientes ou até um leap of faith baseado em dados internos ou do mercado. E isso se mostra verdadeiro no resultado final.

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