08/11/19  Ver no browser
 

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Noam Bardin, CEO do Waze (Divulgação)

Mudando a cidade, uma carona por vez

Noam Bardin, CEO do Waze, o aplicativo de mobilidade usado por mais de 130 milhões de pessoas mensalmente, não acredita que os carros autônomos possam mudar o mundo. Veja bem, ele afirma que os carros autônomos são uma invenção maravilhosa. Mas acredita que é o usuário, quem de fato muda o mundo. "Se usarmos o carro autônomo do mesmo jeito que usamos os carros regulares, com uma pessoa só em cada carro, não vamos resolver o problema da mobilidade urbana".

Por isso quer mudar o mundo já, antes que os carros autônomos cheguem. E isso passa por convencer as pessoas a dar carona com o Waze Carpool, o projeto atual mais importante da companhia, que propõe um modelo de carona que gera pagamento para o motorista e pretende ocupar os quatro bancos vazios dos carros que circulam na cidade. O Waze Carpool foi lançado no Brasil em agosto de 2018 e já gerou 2 milhões de caronas, um número fora da curva comparado com a adesão no resto do mundo.

Bardin esteve no Brasil esta semana para participar de um evento de mobilidade e para anunciar que São Paulo será a primeira cidade global a ter totens de embarque e desembarque e uma área de parklet - uma extensão da calçada para servir como espaço de convívio e, também, como referência aos carpoolers - ligada ao aplicativo.  Não por acaso, já que São Paulo é a cidade número 1 em uso de Waze no mundo.

Ele acredita na cooperação entre as empresas de tecnologia e os gestores públicos para mudar o cenário das cidades. Conversou com os jornalistas em uma coletiva sobre sua visão de mobilidade e comigo em particular sobre os desafios de fazer parte do Vale do Silício quando a tecnologia sofre ataques de todos os lados. Confira abaixo a conversa.

Silvia Bassi

Disrupção é ...

"O Waze é uma coisa muito especial. Porque você tem pessoas comuns oferecendo voluntariamente seu tempo ao usar o app e tem administração pública envolvida. Estamos todos trabalhando juntos e isso não tem precedentes. E essa cooperação em torno de um mesmo objetivo é um modelo que vai ser replicado mais vezes no futuro.

O que o Waze faz é tentar balancear o uso de todas as vias que estão disponíveis e que podem ser transitadas, procurando o tempo todo achar a melhor opção de caminho. Mas o problema é que não existem ruas e estradas suficientes. Estamos vendo mais e mais carros sendo comprados todos os anos e não tem tanta estrada sendo construída, certo? O tráfego portanto vai ficando cada vez pior.

E foi isso que nos moveu para criar o Waze Carpool. É quando você percebe que não há solução de transporte, só um monte de atalhos.

Vamos continuar a fornecer as melhores opções de trânsito, mas se todos começarmos a usar nossos carros de forma diferente e ocupar os bancos vazios dos nossos carros, podemos tirar vários carros da rua. E essa é a essência do projeto.

Queremos ser especialistas mundiais em combinar pessoas com carros. Um dia eu vou dar carona para você e outro dia você vai me dar carona. E então, daqui a alguns anos, um robô vai vir pegar nós dois. E está tudo certo. Podemos criar o futuro do carro autônomo hoje com o carpooling, mas ao invés de carros autônomos podemos faze-lo com humanos dirigindo. E se conseguirmos 3, 4, 5 pessoas em um carro, o modelo econômico estará lá hoje, e lentamente poderemos incluir os carros autônomos nessa mesma equação. Não tem por que esperar. A mudança precisa acontecer hoje.

Os carros autônomos são provavelmente o maior desafio tecnológico da nossa geração. É quase como a bomba atômica, como a invenção da internet. Chegar ao carro autônomo de nível 5 é a coisa mais difícil que qualquer grupo de ciência da computação já fez até hoje. O problema é que o desafio tecnológico é só o primeiro passo.

Depois vamos ter de regulamentar isso tudo. Quem vai ser responsável em caso de acidente? Onde você vai poder transitar com um carro autônomo? Uma vez que isso se resolva, o próximo desafio será o da produção. Existe um bilhão de carros no mundo. Como vamos substituir todos esses carros?  E os modelos de negócio para pagar isso tudo? Por isso eu acredito que todo o processo vai levar muito tempo, muito mais que dez anos.

Mas mesmo que eles aparecessem amanhã e todos nós tivéssemos um carro autônomo para andar por aí, ainda assim teríamos o problema do comportamento, de um carro estar transportando apenas uma pessoa. O fato dele ser autônomo não muda isso, o tráfego continuaria ruim.

E é por isso que o carpooling, que pode acontecer hoje, com a infraestrutura existente, é crítico para provocar a mudança de comportamento que precisamos. Para que ela se repita também nos carros autônomos.

Por que a carona? A essência disso é que estamos presos no trânsito e ninguém está vindo para nos salvar. E não importa o quão rico ou pobre você é. Se você dirige uma Ferrari ou um Honda Civic 1985. Estamos todos sentados, travados no trânsito andando na mesma velocidade. Os carros precisam de espaço. Em muitos aspectos construímos nossas cidades para carros, não para as pessoas, e 60 pessoas podem ocupar espaços bem diferentes, dependendo de como elas usem os carros.

Podemos mudar isso sem novas infraestruturas, sem investimentos maciços em transporte público, em estradas, etc. Basta usar os assentos vazios do carro. Essa é a missão do Waze Carpool. É uma missão que não é apenas técnica, é uma missão humana. É sobre pessoas trabalhando juntas no mundo físico.

Desde que lançamos o Waze Carpool no Brasil, há um ano, foram mais de 2 milhões de corridas, e estamos vendo essa adoção crescer de uma forma que não vimos em outros países. Acredito que seja uma combinação do tráfego ruim com as pessoas do país que são amigáveis e dispostas a experimentar coisas novas, adotar todos os tipos de tecnologias. 

É uma mudança de comportamento e mudanças de comportamento são difíceis, mas ao mesmo tempo a necessidade está ali.

Não podemos fazer isso sozinhos, é uma coisa que precisamos fazer envolvendo usuários e comunidades; empresas e empregadores incentivando seus funcionários a adotar; cidades e governantes ajudando a aperfeiçoar o serviço. É uma parte crítica do ecossistema. Precisamos dos governos empurrando as pessoas na direção certa sem forçar, apenas oferecendo os incentivos corretos.

Um exemplo são as pistas exclusivas para carros com duas ou mais pessoas. Essa é uma decisão de gestão pública que busca atrair as pessoas acenando com uma vantagem, “você pode dirigir mais rápido se tiver mais de uma pessoa no carro”. Outro exemplo são os dias de rodízio, quando você é forçado a deixar o carro em casa dependendo do número da placa. Todas essas coisas até podem deixar uma pessoa brava individualmente, mas para a sociedade são excelentes medidas.

Nós ajudamos pessoas a se moverem na direção certa. Somos bons em tecnologia e podemos compartilhar informações que ajudam a pensar a infraestrutura. O que acontece nos países que adotam as pistas exclusivas? Como isso afeta os congestionamentos? Podemos aprender juntos. Por isso compartilhamos nossos dados com os governos gratuitamente.

Criamos o programa Waze for Cities para compartilhar o acesso aos dados que temos com os governos. É um projeto junto com a Google Cloud que permite aos governos armazenar seus dados de transporte em tempo real e usar as ferramentas da Google para analisar esses dados. Isso quer dizer que eles podem pegar dados da gente e também compartilhar dados conosco. E aí é possível melhorar o roteamento. Se por exemplo a cidade de São Paulo vai ter uma maratona e várias ruas serão fechadas, ela pode indicar isso na plataforma e nós podemos oferecer as rotas para as pessoas levando essas informações em conta. 

Com o carpooling, estamos nos aprofundando. E o lançamento dos pontos de encontro (pick-up points) é um grande exemplo de como podemos trabalhar em conjunto com a cidade. Porque temos o mesmo objetivo no final das coisas. Porque fazer isso é mais barato que comprar um trem ou construir uma rua ou estrada.

O modelo de negócios em transportes é desafiador. O transporte público perde montanhas de dinheiro e nós os contribuintes pagamos impostos para subsidiar isso. As empresas de transporte compartilhado também estão perdendo dinheiro. Portanto não é uma solução simples e não é um modelo de negócios simples.

Precisamos convencer as pessoas a não dirigir sozinhas e sim dar carona. Esse é o desafio mais complicado, mudar o comportamento do dia a dia. Outras empresas estão fazendo uma parte disso e é um monte de trabalho a ser feito, mas precisamos convencer você a mudar o que você faz todos os dias.

Não vemos outras empresas de transporte como concorrentes. Nosso concorrente é quem dirige sozinho.

Acreditamos que o carpooling é viável porque você está usando uma corrida que aconteceria de qualquer forma. Não é um carro que saiu para pegar você fora da rota dele. É um carro que faria essa rota de qualquer forma e que sairia de casa com quatro assentos vazios. Você não iria deixar os quatro assentos em casa. Eles iriam com você ao trabalho e ficariam lá no estacionamento. Ocupados ou vazios, é isso que aconteceria.

O que temos de achar é o preço certo para esse modelo. Ele precisa ser baixo o suficiente para que os caronas queiram pagar, mas tem de ser alto o suficiente para que os motoristas se animem a adotar a ideia. É alguma coisa no meio do caminho. Não queremos que isso seja um emprego, não queremos que as pessoas ganhem dinheiro dando carona. Mas se você vai dirigir de qualquer forma, esse dinheiro pode pagar seus custos de transporte.

Nesse momento não estamos fazendo dinheiro, estamos perdendo dinheiro na maioria das corridas. Estamos pagando aos motoristas mais do que eles coletam porque queremos fazer a mudança de comportamento acontecer.

Acreditamos que vamos conseguir pegar um pedaço dessa receita, mas acreditamos principalmente que seremos o software que vai intermediar esse relacionamento e que possamos escalar as funcionalidades desse software. A administração pública, os governos, podem ter um grande papel aqui. Da mesma forma que eles subsidiam trens e ônibus, que não necessariamente são grandes serviços e que perdem muito dinheiro, você poderia ter um mundo no qual os governos subsidiassem o modelo do carpooling pagando diretamente aos cidadãos, incentivando os usuários a adotar.

Nosso produto de carona foi concebido para grandes trajetos. Quando você quer ir de casa para o trabalho e tem de percorrer 10, 20, 30, 40 quilômetros. É onde o carpooling traz o maior valor, nas corridas que você tem de fazer todos os dias, no mesmo trajeto. Por isso estamos nos focando em criar matches entre empregados de uma mesma empresa, entre estudantes de uma mesma universidade. Esses grupos estão muito abertos a isso. E estamos tentando entender onde mais esse modelo se aplica bem.

O melhor exemplo é alguém que precisa pegar três ônibus para ir trabalhar e gasta uma hora e meia para chegar lá. E, de repente, no carpooling, poderia fazer esse mesmo caminho em 25 minutos. Essas são as pessoas que estamos vendo adotarem primeiro o modelo.

Ser parte da Google, uma das maiores companhias do mundo tem vantagens e desafios. Como parte de uma grande empresa pública estamos sujeitos a regras e regulações específicas dessas empresas, que não afetariam uma pequena empresa independente. Não teríamos que seguir essas regras, poderíamos assumir mais riscos. Mas aí não teríamos aquele monte de comida boa de graça. O que fazemos pode impactar a Google, portanto temos de levar tudo isso em conta e ser cautelosos, mais do que uma pequena empresa independente.

As empresas de tecnologia estão passando por altos e baixos. Agora estamos na fase em que todos nos culpam de tudo. Tecnologia não tem opinião, tecnologia não tem problemas. Humanos têm opiniões, humanos podem fazer coisas maravilhosas com a tecnologia e podem fazer coisas terríveis com ela também, certo? É fácil culpar a tecnologia ou as empresas. Mas temos governos e regulações e responsabilidades, e eles precisam decidir que leis vão ser aplicadas. E obviamente vamos seguir essas leis.

Existe um fosso gigante entre a velocidade com que a tecnologia se move e a velocidade com que os reguladores se movem. E isso faz com que os reguladores estejam sempre tentando alcançar a tecnologia e ninguém saiba ainda quais são as respostas corretas.

Legisladores não são mágicos. E nem sempre eles entendem tudo corretamente. Eu acredito que cabe aos cidadãos do mundo decidir como queremos usar as tecnologias. E temos que assumir responsabilidade sobre as coisas que fazemos. Eu acredito que a tecnologia é um reflexo da sociedade e não que está criando a sociedade. Ela é uma ferramenta, ela pode ser usada de formas diferentes.

Nesse momento as pessoas amam colocar a culpa de tudo no Vale do Silício. Teve uma época que culpávamos os bancos por tudo. Você sempre tem de culpar alguém. Mas nesse momento a questão toda está girando em torno de regras e regulações, mais do que qualquer coisa. É sobre como queremos agir como sociedade. Mas tudo tem dualidade. Temos websites fantásticos e temos websites horríveis. Temos comunidades que fazem coisas maravilhosas e temos comunidades que podem gerar e promover ódio. Todas essas coisas existem nas plataformas.

Eu acho que estamos evoluindo como tecnologia e como regulamentação para endereçar isso. Adoramos pintar as coisas como preto ou branco. Mas não é assim. É um gradiente.

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