22/11/19  Ver no browser
 

BRAIN HUB - conectando mentes disruptivas

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Cristina Palmaka, Presidente da SAP Brasil (Divulgação)

Disrupção é uma maratona

Nem glass ceiling, nem glass cliff. Para Cristina Palmaka, presidente da SAP Brasil há seis anos e uma das poucas mulheres a ocupar esse tipo de posto no país, o negócio é encarar desafios e assumir o protagonismo. "Vai lá faz e não dependa de ninguém. Eu fui criada nesse espírito.  Eu sempre achei que isso era o normal. Então quando eu vim para o mundo corporativo eu sempre achei que era assim".

Mas ela sabe que não é bem assim, e tem assumido o protagonismo na discussão da necessidade de ter empresas que pratiquem a inclusão e a diversidade não só com as mulheres mas com todas as minorias. E isso passa por mudar o modelo mental das empresas no mundo todo. "Quando você aceita uma diversidade as outras vêm. No final do dia não é ou A, ou B, ou C. Você abre um mindset de respeito. Cultura é a parte mais importante das companhias. Você abre uma cultura de inclusão".

Com 35 anos de carreira (vai completar na próxima semana), Cristina Palmaka corre. Corre nas maratonas, parte da sua vida nos últimos 18 anos (foram 13 até agora), e para fazer da disrupção parte do dia a dia da sua empresa e dos clientes. "Disrupção é alguma coisa que te dá frio na barriga. Às vezes você tem de se desapegar e ter fé que vai dar certo. Sua experiência no passado ajuda, mas de vez em quando é preciso questionar toda essa experiência do passado para se reinventar".

E manter a cabeça em ordem, que é o segredo para, mesmo com 35 anos de carreira, achar bacana ter frio na barriga e se desafiar o tempo todo. "Vale para as pessoas, vale para o negócio, vale para tudo, né?". Um privilégio essa conversa.

Silvia Bassi

Disrupção é ...

Alguma coisa que te faz sair totalmente da zona de conforto, que te dá frio na barriga. E a gente adora viver na zona de conforto. Então, tudo o que é meio desconfortável é o que vai te provocar para você fazer alguma coisa muito diferente. É atravessar uma ponte nem sempre sabendo o que vou encontrar do outro lado, nem o que eu vou construir.

Acho que a disrupção é uma maratona. É uma coisa de longa distância em que você passa por vários ciclos. Você começa achando que não vai dar, chega uma hora que você sente que pode correr uns 200 km e, no fim, você fica administrando mais a cabeça do que o corpo. O que faz você acabar bem uma maratona é a tua cabeça.

E isso é o momento da disrupção. Você tem que ter uma cabeça boa para olhar os sinais, tirar o melhor proveito deles, administrar os recursos e as condições. Você vai querer desistir no meio. Eu sempre tenho um troquinho no bolso, para o táxi, porque se alguma coisa acontecer eu tenho como ir embora. Na disrupção é isso. Você vai querer parar tudo porque acha que vai dar dar errado, mas é preciso ser resiliente.

Para mim, tudo o que é pouco óbvio é o que define ruptura. Às vezes eu faço coisas que ainda não sei bem onde vai dar. E normalmente o resultado é uma coisa muito diferente da anterior. Quando você trabalha já há 35 anos (vou completar na semana que vem), ainda sentir aquele frio na barriga é uma coisa bacana. Sair do piloto automático, daquilo que você sabe, e se desafiar o tempo inteiro é muito bom. Vale para pessoas. Vale para negócio. Vale para tudo, né?

Às vezes você tem que desapegar e ter fé de que vai dar certo. Claro que toda a tua experiência do passado te ajuda. Mas de vez em quando é preciso questionar toda essa experiência do passado para se reinventar.

Diversidade, em geral, é fundamental. Acho que porque nas mulheres foi onde tivemos mais foco e agora estamos vendo as consequências desse foco. Primeiro, das empresas e dos clientes estarem mais abertos para isso, e as próprias mulheres acreditarem que é possível. Porque também tinha um pouco de acomodação.

Quando eu comecei a falar de mulheres lá em 2000, eu dizia 'vai lá, arregaça as mangas e sai fazendo'. Eu nunca tive nenhum tipo de benefício, mas também nunca me senti preterida. Eu sempre corri atrás como qualquer pessoa também tem que correr atrás. Ninguém, nem homem, nem mulher, pode ficar esperando acontecer. Você tem que focar no teu objetivo, trabalhar para caramba e montar a tua possibilidade.

Começamos a falar mais de mulheres agora em que temos mais mulheres líderes, mais mulheres CEOs, mais mulheres na tecnologia. E hoje as competências que são femininas também são melhor aceitas no ambiente de trabalho.

Ser assertivo, direto, pragmático... Essas são as competências masculinas, que todo mundo precisa ter. Você tem que ter. E no momento certo você tem que usar. Agora as competências femininas, que é o cuidar, ter empatia, olhar para a estrutura com outros olhos, são mais aceitas no ambiente de trabalho. Imagina há 30 anos você dizer “estou aqui com um problema, vou ser mais empático com um cliente ou com um funcionário...” Você era rechaçada! Você tinha mais era que entregar resultado, número.

Então eu acho que a sociedade também mudou. E o melhor líder, homem ou mulher, é o que consegue usar, no momento certo, a melhor competência. Às vezes você tem que ser assertivo. Se você está fazendo uma reestruturação, cara você não pode ser tão empático. Você tem que olhar para a continuidade do negócio, tomar uma decisão difícil de fechar uma fábrica. Isso não são coisas bacanas, mas são necessárias. Mas às vezes você tem que acolher um funcionário, ou um cliente que está com problema.

Ter um olhar mais empático, mais criativo, que teoricamente é uma competência mais feminina, ajuda muito. Por isso tem mais mulheres correndo atrás. Ter esses tipos de competências também está sendo mais valorizado. É a combinação dos dois.

E aí tem as outras diversidades. Eu estava em um evento de inclusão racial e a discussão era a de que mais da metade da população são negros, mas eles não estão no ambiente de trabalho. Por quê? Porque eles foram escravizados por um montão de tempo. Esse tema da ambição “sim, eu posso” eles ainda estão dois passos atrás do que talvez as mulheres estivessem lá nos anos 60. Então agora começamos a ver alguns poucos líderes, homens e mulheres negros. Agora o ponto é como é que você traz para o ambiente de trabalho e inclui todos.

Quando você aceita uma diversidade as outras vêm. Não é que mais simples, mas é uma questão de respeito. No final do dia não é ou A, ou B, ou C. Você abre um mindset de respeito. Cultura é a parte mais importante das companhias. Você abre uma cultura de inclusão.

Eu acho que a tecnologia favorece porque você pode abrir novas possibilidade de trabalho, de usar as competências diferentes. Ao mesmo tempo, no evento de inclusão racial, a conversa era como a tecnologia pode ser utilizada de forma prejudicial.

 

Tem o bias e tem também a automação. Por exemplo, onde está hoje a maioria das pessoas com maior vulnerabilidade? Naquela coisa que é mais manual, mecânica e vai acabar. E aí tem muitos negros. Então como é que você prepara essa pessoa para ela dar um salto para esse novo mundo no qual a tecnologia vai entrar?

A discussão foi ninguém saiu aprendendo Inteligência Artificial na escola... Ninguém tem essa formação”. Está todo mundo experimentando. Então, teoricamente, homens, mulheres, negros, brancos, estão todos na mesma faixa. Então é sair correndo atrás para pegar essa possibilidade. Se a tecnologia for bem aplicada, ela vai trazer, vai incluir, vai ajudar muito

Eu sou da teoria de que, se você respeita a pessoa do jeito que ela é, aí você já incluiu pessoas, negros, gays, lésbicas... para mim é muito natural isso. Para mim é todo mundo igual.

Pelo exemplo ajuda bastante. Como eu pratico, como eu organizo o meu time, que é super diverso, pelas competências. Eu sou uma privilegiada, porque eu vejo as pessoas de uma forma muito diferente. E eu aprendi muito a trabalhar com pessoas diferentes. Eu preciso ter pessoas que me desafiem, que pensem diferente. E isso precisa ser trabalhado genuinamente. Se você age assim só porque é bacana, e não vive isso de verdade, só traz a pessoa e não inclui, desmorona. 

Seu time tem que ser assim. Você tem que olhar para ele e se perguntar qual é a competência que falta. Eu não olho gênero, ou idade... Importam os estilos. Um é um cara mais analítico, a outra é mais visionária... você tem que ter isso no seu teu time, porque aí ele se complementa e aí naturalmente vêm os gêneros, as idades, vem as orientações sexuais.

Quando eu vejo muitos times igualzinhos eu provoco e desafio os líderes. Você tem que gerir o seu time de forma que ele tenha competência complementares. Se a pessoa a ser contratada for uma mulher, um negro, um gay... tanto faz.

Administrar pessoas é a parte mais crucial... Hard skills você treina. O mais difícil são os tais soft skills. Outro dia eu fui em um treinamento e disse que não vou mais usar o termo Soft Skills. Porque na verdade são Human Skills. Aquilo que a pessoa tem, que vem com ela. No dia a dia vejo as pessoas quando elas estão em um momento bom, e aprendo com as pessoas quando elas estão nos momentos mais difíceis.

Porque quando a coisa está boa, quando está tudo certo, todo mundo é legal. Agora, quando tem uma crise, aí eu vejo como é que os meus líderes se comportam. Se ficam estressados, se tentam achar um culpado, ou se vão olhar, refletir... Tem hora que é difícil mesmo. Como é que você administra o seu stress, o do time e passa a mensagem? 

As pessoas são como chá: quando você olha para as ervinhas, todas têm mais ou menos o mesmo jeito. Mas quando você põe água quente aí sim vem o cheiro do que elas são realmente. Eu dava um bulinho de chá para as pessoas. ‘Cara que quero saber se você é um boldo ou um floral.... hibiscos ou, sei lá, uma coisa bem bacana’.

Nesse mundo novo, confiança é um dos pilares mais importantes. Como é que eu enxergo isso no mundo corporativo? No fim do dia você tem que ter uma relação com o teu cliente que você também vai construindo. Antigamente a gente tinha lá uma lista de produtos, perguntava o que o cliente queria comprar, tirava o pedido e ia embora. E agora é preciso saber o que é importante para o cliente.

As vezes o cliente não sabe o que ele precisa. A nossa maior missão é instigá-lo. A gente não vai vender uma solução sem que ele saiba o que ele precisa. Eu prefiro perder um negócio aqui do que perder a coisa mais importante que é a nossa reputação como companhia.

Eu fui em um cliente uma vez apresentar um projeto lindo, de multicanalidade, que conectava a loja A com a B, C, D e que tinha sido montado com os inputs dos diretores da empresa. Mas depois que o pessoal apresentou, o CEO disse “Sabe o que é importante para mim? É toda a cadeia de logística. Porque aqui, se eu economizar 1 centavo, meu faturamento, minha rentabilidade saltam”.  Parei a reunião. O projeto estava lindo, mas vamos escutar o cliente. Voltamos a com a lição de casa. Porque era mais importante para o cliente acadeia logística, na visão do CEO.

E aí é que entra a questão da Economia da Experiência. No que a gente está focando? Entender no momento como é que a tua atitude gerou uma experiência, uma percepção, e se tem alguma coisa que você pode fazer para melhorar ou mudar aquela experiência do cliente se ela for negativa. No final do dia, tudo é experiência.

Toda empresa quer ser mais humana, crescer mais e tal. E aí a tecnologia tem um papel fundamental para ajudar essas empresas. Para você ser mais humano você vai usar mais a tecnologia como esse habilitador. E aí cada toque que você tem com a marca ou com a relação é uma experiência.

Você já ouviu falar que o B2B e o B2C não existem mais. É o H2H agora. É o Human to Human. No final, eu sou B2B. Eu não vendo para o cliente final. Mas eu falo com uma empresa que vai falar com esse cara. Mas no final do dia aqui é uma pessoa também. Que tem todas as suas amarguras, problemas, problemas mentais...

Então a Economia da Experiência vale para essa relação entre as empresas. Como é que você entende a experiência da pessoa aqui na ponta e usa a tecnologia para impactar da melhor forma esse cara.

A questão do tempo agora é muito diferente. Se você andar muito devagar você não vai mais alcançar o teu consumidor. Tem gente que fala que tem indústrias que estão protegidas disso acontecer. Nenhuma está!

Grandes empresas são um transatlântico e transatlântico não dá cavalo de pau, né? As grandes decisões estratégicas você coloca e tem que correr, muitas vezes em uma esfera global muito maior. Não tem bola de cristal.

A SAP foi muito feliz na estratégia. Hoje parece tudo muito óbvio. Mas há 10 anos poderia ter dado tudo errado. E a gente deixaria de existir. Essa é a realidade. 10 anos atrás a SAP fazia só ERP. Hoje ERP é só 1/3 da nossa receita, tendendo a até menos com as últimas aquisições. Nessa esfera global, acho que a gente teve sorte, embora tenha dado muito trabalho, de montar uma estratégia e ir às compras em vez de ser comprado. A gente quebrou todo o paradigma de mudar a forma de gerir dados há 10 anos. A SAP fez o movimento bold de "vamos mudar a nossa vida". E foi às compras, sempre complementares.  

A SAP não compra market share. Temos o nosso core, que a gente desenvolve algumas coisas, e o resto das aquisições fazem sentido para montar o quadro todo. Agora vamos focar em pessoas.  Agora em procurement. Agora vamos pegar esse pontinho. Agora tem o Qualtrics, que vai falar e experiência, sentimento. Então olhando de fora você fala "Uau! Que coisa simples". O puzzle foi montado. Então é bom ter um board que consegue pensar isso e montou uma estratégia que foi se consolidando. Então 10 anos depois você tem uma empresa desse tamanho, robusta.

As grandes transformações acontecem no transatlântico. Mas as pequenas acontecem toda a hora. E às vezes acontece de ter coisas que você tem que parar de fazer.

A disrupção não precisa ser uma coisa transformacional. Mandar alguém para lua. As vezes é isso, também. Mas às vezes são pequenas coisas. E eu acho que o mais desafiador é deixar de fazer coisas. É ruim para mim. É ruim para a maioria das pessoas. Meu grande desafio interno é eleger o que a gente vai deixar de fazer.  Aí você trata a escassez para você fazer outras coisas.

Antes os nossos clientes tinham um produto só. Agora têm 10, em média. E a nossa abordagem é a de que o cliente vai ter sempre a mesma SAP. Tanto faz. Aqui a minha cozinha eu é que administro. Então eu tenho que me preparar para entender que a minha presença no cliente é diferente também.  Minha relação é totalmente diferente. Antigamente era TI, era o CFO, o CEO sabia por causa da parte de governança. Hoje a gente toca dentro do cliente as áreas de negócio.

Então tem que saber falar com o RH, tem que saber falar com o cara de marketing, com o cara de business. O cara de tecnologia é importante, mas o nosso discurso tem que ser diferente. O cara de negócios não precisa saber da minha sopa de letrinhas de tecnologia. Como é que vai usar mesmo?

Então como é que eu administro aqui? Defino o que a gente vai deixar de fazer e deixo o time fazer coisas. Escutar dos clientes o que eles estão precisando de fato e tentar reverter para cá. A gente sempre foi muito forte em design thinking. Um dos nossos cofundadores é investidor da IDEO. Mas há seis anos, logo que eu assumi, a gente tinha só uma pessoa que fazia isso aqui.

Montamos uma área, com um monte de gente jovem, que nos ajudam a pensar diferente.  E que virou quase um embrião de todas as inovações. O que a gente vai fazer diferente começa com eles. Eles vão nos clientes fazer as provocações. As disrupções que a gente acaba fazendo. Quando você junta todas, elas viram um mindset bacana.

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